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30 de ago. de 2014


O espaço virtual em que se expõe a teia do mundo


Luiz Carlos C. Teixeira de Freitas
  

A Astrologia é um espaço virtual de síntese, pelo qual a teia do mundo se evidencia.
Para perceber e bem expor a teia, a Astrologia tem de abeberar-se em múltiplas fontes e tipos de conhecimento ao se exercer em função, segundo a natureza típica da forma de existência que pretende conhecer e descrever: aqui, a mente humana individual; ali, um órgão ou organismo; acolá, a manifestação grupal da mente humana coletiva, zeitgeist, ou genius seculi, ou espírito do tempo; mais além, um evento ou fenômeno de ordem físico-química, seja mineral, vegetal ou animal inumano.
Ela não é ciência, na medida em que não gera conhecimento específico, mas é técnica, ou arte, que aproveita, correlaciona e integra conhecimentos já existentes, ou ainda emergentes, provindos de múltiplos campos de ciência e conhecimento, para descrever, pela interpretação de símbolos correlacionados, a realidade manifestada sobre a qual, então, se debruça.
Sendo mais Social do que Natural, e digo assim aproveitando a nomenclatura que ainda divide as ciências em agrupamentos diversos: Ciências Sociais, Ciências Exatas (como se alguma o fosse!) e Ciências da Natureza, a Astrologia veio adaptando os termos de descrição conforme se alterava o cenário no qual se exercia, submetida, ela (isto é: os termos utilizados para construir suas narrativas), às condições compreensivas e descritivas próprias do panorama humano de cada época.
Ainda hoje, ela é dominada e descrita por um tipo de visão mecanicista que supõe serem efeitos de “energia dos astros“ o que causa ou condiciona os fenômenos descritos por ela.
Simbólica que é, a Astrologia conta com diferentes conjuntos de significantes, segundo a cultura e a visão de mundo em que foi desenvolvida. Desde os primórdios, porém, aponta análogos fenômenos de base, desdobrados da teia do mundo, já que estes pouco se alteraram no perpassar dos milênios.
Modificou-se a compreensão e a decorrente descrição, mas, não, a natureza fenomênica em si, no que toca aos principais vetores, dinamismos e propósitos de cada coisa existente, seja evento, objeto ou pessoa.

Para exemplificar o que digo, imagine o ser humano: do Neolítico, aproximadamente entre 12.000 e 4.000 a. C., ao Contemporâneo (escrevo em 2014), muito variou no entorno. Como diria Umberto Eco, na concha de objetos de cada um (e dos coletivos).
Entretanto, bem pouco se alterou na base do interior profundo das coisas, razão pela qual ainda nos assombramos ao saber que este homem ou aquela mulher agiu de forma que parece bárbara e incivilizada, ou nos espantamos ao conhecer um comportamento de um povo que julgamos exótico, mas vemos ser bem assemelhado ao nosso no que interessa ao humano, apenas peculiar.
Porque, fiel aos arquétipos, tudo continua similar no interior, onde se ouvem os ecos da teia do mundo.
O trigo (vale dizer: alimentar-se) é o mesmo; a necessidade de gerar e manter o fogo aceso, ou a roupa protetora, é igual; permanece o interesse pelo indivíduo do sexo oposto (ou do mesmo, em casos vários, embora o oposto predomine, para a reprodução da espécie); a rapina, por necessidade ou cobiça, também se mantém; e tal ocorre com a capacidade de solidariedade, diferencial competitivo da espécie para a sobrevivência grupal.
Como isto se manifesta, ou se exerce, é que mudou em algo. O que há de essência, ou propósito, é bem parecido.

Com a possibilidade autorreflexiva que a consciência instala, o ser humano é por índole autocentrado, razão pela qual mudar o foco para o “outro”, seja quem for, é conquista ultra-humana (exceto, talvez, por determinação biológica, o caso da mãe e sua cria). Contra naturam, diria um filósofo, ou contra a natureza, graças a isto a autoconsciência dela se destaca.
Contudo, nem que em benefício de outrem, o possessivo na primeira pessoa é intenso e dominante: meu, minha. Como melhoro meu rendimento, para ajudar melhor minha família? Como corrijo meus erros, para servir melhor a meu próximo?
Se meu ou minha indica o quanto sou central em tudo o que penso, sinto e ajo, e nada do que faço ou experimento ocorre sem a operação perceptual, evocativa e expressiva de minha mente, baseada em signos (semióticos, não, astrológicos), “a psique é o eixo do mundo”, como Jung um dia definiu.
E se a psique é o eixo do mundo, é natural que 90% (ou mais) do que a pessoa indaga estarem a si relacionados.
No tempo de Ptolomeu, ou avançando milênio e meio, na época de Jean-Baptiste Morin de Villefranche, não se concebia a psique como conseguimos fazê-lo a partir do Século XIX (razão porque só em 1936 o pioneiro Dane Rudhyar pôde associar Astrologia à Psicologia), mas nem por isto a mente deixava de existir e se fazer decisiva em quase tudo o que ocorria ao ser humano, seja por dominância inconsciente, quando de determinação consciente não cabe falar, seja por sincronicidade, que também congrega a mente.
Apenas recebia outro nome-conceito.
Por isso, os consulentes de Ptolomeu, em Alexandria, ou os do astrólogo que hoje atende na avenida Paulista, em Bombaim, Johanesburgo, Nova Iorque ou Zurique, trazem questões pessoais ou a si relacionadas, o que dá no mesmo, tenha sido um rei, algum dia, tenha sido uma estagiária, semana passada.
Não há um interesse apenas intelectual ao utilizar-se a Astrologia Mundial para prognosticar fenômenos de abrangência grupal ou coletiva (que em certa medida afetam o indivíduo que pergunta); ou ao utilizar-se a Astrologia Eletiva para indicar o momento mais conveniente para a fundação de uma empresa (que de algum modo afeta o capital e o trabalho pessoais alocados nela); da Astrologia Médica, da Astrologia Clínica (Psicológica) ou da Astrologia Vocacional, nem carece lembrar.
Há sempre interesse afetivo, seja de anseio ou receio.
Tudo é eu e ao mim, de algum modo, relacionado.
Mas Fernando Pessoa nos fez lembrar: “cada um é muita gente, para mim sou quem me penso”. De que eu se fala, então, e de fato, ao se falar de alguém? Que eu expõe a questão que é apresentada? Como cada eu se relaciona, ou é relacionado, com a ocorrência vivida ou antecipada? Quais temores, quais amores, quais carências, quais desejos?

A tudo isto a Astrologia busca oferecer descrição com significado. Todo o mais é curiosidade cultural, tão vasta e diversificada parece ser – e é – a amplitude de possibilidades da interpretação astrológica, quando ela se debruça sobre o que foi cocausado pela teia do mundo, seja evento, coisa ou pessoa.
Sendo assim, e visto isso tudo, pouco parece haver de genuíno interesse e valia se o foco de escrutínio, compreensão e descrição não se direcionar ao entendimento da mente e seus efeitos, conscientes e ou inconscientes, individuais e ou coletivos.
Por meio da interpretação de símbolos, sempre símbolos arquetípicos da teia do mundo e, não, indicadores de “forças siderais” inclinantes ou determinantes, motivo pelo qual o ser humano árabe ou indiano ou centro-europeu, ou nórdico, termina sendo descrito por um peculiar conjunto simbólico que a ele se aplica por correlação cultural, embora todos os outros se apliquem também, e com igual validade, cada qual segundo sua origem, desde que bem estabelecidos, e invariantes, os nexos de significado necessários à correta interpretação do que se vislumbra da teia do mundo e seus efeitos a partir dos símbolos utilizados.

Que paradoxo! Muitos astrólogos, esotéricos que se dizem ser, abraçam uma postura mecanicista ao julgarem o que ocorre ser “energia”, quando a Física de Partículas indica as causas primeiras como imateriais e não energéticas: são probabilidades quânticas, ainda não energia, ainda não matéria.
O que lhes falta para arriscarem a olhar fora da caixa e admirarem a teia do mundo?

Astrologia é espaço virtual de síntese, dizia ao começar.
Síntese que só se dá com a análise, como sabemos (embora a síntese intuitiva, que dela aqui não foi falado, prescinda do analítico, mas aí não falamos de Astrologia e, sim, de outro tipo de percepção e entendimento, inato e não ensinável).
Como tal, é relacional. Quer se refira à relação interna de si consigo, quer diga respeito ao relacionamento de si com o outro e ou outros, e caracterizada pelo ambiente macro ou micro, sociofamiliar, em que a pessoa atua ou sofre ações.
Obrigando que a pessoa seja vista como sujeito histórico individual e social, motivo pelo qual, sem um amplo olhar que, de fato, seja um metaolhar, pairando sobre o conjunto de diferentes ângulos de visão, a pessoa não é compreendida em sua riqueza de facetas.
Nem a Astrologia consegue endereçar as melhores questões ou oferecer as mais completas composições narrativas de descrição.

Se a Astrologia articula e integra diferentes pontos de vista (lembrando que cada ponto de vista é apenas a vista a partir de um ponto), o corporal, o emocional, o mental e o social, vale dizer o econômico e o cultural, são mais bem compreendidos pela interpretação adequada dos símbolos da teia do mundo, e esta adequação requer foco na compreensão da mente de quem consulta, e na de outras pessoas às quais o consulente se relaciona, e no estado da mente coletiva, e no conjunto de outros símbolos ou arranjos simbólicos que as culturas, astrológica e geral, apresentam.
Por isso, está no texto de Fernando Pessoa que escolhemos para relembrar como texto-guia em nosso site, merecendo incessante rememoração: “a inteligência analisa, decompõe, ordena, reconstrói noutro nível o símbolo. Um dos fins da inteligência no exame dos símbolos é o de relacionar no alto o que está de acordo com a relação que está embaixo. Então, a inteligência, de discursiva que naturalmente é, se tornará analógica, e o símbolo poderá ser interpretado. (Outro fator é a) compreensão, entendendo por esta palavra o conhecimento de outras matérias, que permitem que o símbolo seja iluminado por várias luzes, relacionado com vários outros símbolos, pois que, no fundo, é tudo o mesmo. Não direi erudição, como poderia ter dito, pois a erudição é uma soma. Nem direi cultura, pois a cultura é uma síntese e a compreensão é uma vida. Assim, certos símbolos não podem ser bem entendidos se não houver antes, ou no mesmo tempo, o entendimento de símbolos diferentes”.

No espaço virtual de síntese que o exercício da Astrologia propicia, os múltiplos significados dos símbolos astrológicos, correlacionados ao ambiente e época da pessoa ou coisa ou evento que é alvo de estudo, compõem e oferecem um dos mais fecundos sistemas existentes de diagnóstico e ou prognóstico da realidade pessoal, relacional e sociocultural, emergido da teia do mundo.
Porque, como disse Jung, “lentamente o futuro vai saindo de nós mesmos”, o que aqui nos aproxima, uma vez mais, da busca de entendimento da mente, cada e toda mente, em seus níveis mais determinantes, sejam individuais, relacionais ou coletivos, brotados da teia do mundo.

Não dá para ser verdadeiramente astrólogo sem intenção de estudo e debate, para poder ir além da memorização de regras, detalhes e descrições.
Quando não há esta atitude, e tem de ser genuína, o espaço virtual se nega a se abrir e a teia do mundo não se revela.

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