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10 de jul. de 2015

REGISTROS DE UMA ENTREVISTA

Em junho de 2015 fui contatado pela revista Glamour (Editora Globo), que informou estar preparando uma matéria sobre Astrologia para sua edição de julho.

Raras vezes me disponho a dar depoimentos sobre Astrologia a publicações de variedades, dado o tipo de tratamento editorial que por costume se adota, indo da banalização de informações ao propósito mal disfarçado de tratá-la como superstição.
Todavia, ao receber questões inteligentes e instigantes, pareceu-me poder ser diferente.
Vã esperança. Como o que respondi por escrito (e-mail) foi remontado, por quem redigiu a matéria, de modo a que a justaposição de frases descontextualizadas originasse um raciocínio estruturado para reforçar a intenção editorial implícita do texto – “Astrologia é superstição ilusória” –, pareceu-me bom publicar aqui, para quem queira conhecer, as questões enviadas a mim e o que de fato respondi.
Seria insano que, após 30 anos continuados de estudo de Astrologia, e com cinco livros editados sobre o tema, eu tivesse apequenado a riqueza de conhecimentos oferecida pela Astrologia como “um recurso para manter a autoimagem positiva”.

1. Como você vê a relação entre signos e personalidade?
Embora nos inclinemos a supor que somos “únicos”, em verdade somos mesclas particularizadas de certas características comuns a todos (relativamente poucas e mais ou menos as mesmas em tipo, variando a intensidade) e próprias da espécie humana (falo de emoções e sentimentos, que nos caracterizam mais do que os pensamentos).
 A simbologia astrológica – Signos, Planetas, Aspectos (ou ângulos geométricos entre os fatores) e Casas astrológicas – permite identificar quais destas características são predominantes em cada pessoa, em sua fórmula pessoal muito peculiar e própria de combinação, e esta indicação é dada pela Carta natal astrológica, também chamada de Horóscopo.
Com poucos símbolos, não mais de 40 (12 Signos, 10 Planetas, 5 ou 6 Aspectos e 12 Casas astrológicas), quando combinados fatorialmente é possível identificar milhões de arranjos simbólicos diferentes, razão pela qual a descrição em detalhes de cada caso particular é possível e a Astrologia, enquanto recurso de diagnóstico, pode ir mais profundo e minucioso do que as generalizações que dominam o senso comum sobre ela.
A interpretação de uma Carta natal astrológica, pela associação de seus símbolos a noções derivadas das principais Escolas de Psicologia (freudiana, junguiana, transpessoais, etc), permite identificar o que costumo chamar de “traços estruturais de personalidade”, aqueles que são tipológicos e originários da pessoa, e “traços conjunturais de personalidade”, aqueles que decorrem de condicionamento por exposição a estimulação ambiental precoce (pré-natal, perinatal e infantil).
Em resultado, diagnostica-se a pessoa como um todo, em seus principais atributos de personalidade (tipológicos e ou condicionados), bem como as dificuldades, os conflitos e os potenciais íntimos e ou manifestados.

2. Você acha que o mapa astral pode ser útil de alguma maneira na terapia?
Sem dúvida e em dois aspectos complementares, como descrevo em dois dos meus livros: Astrologia clínica, um recurso de autoconhecimento (1991) e Astrologia arquetípica e comportamento, de Ptolomeu a Jung na teia do mundo (2015).
O primeiro aspecto diz respeito à possibilidade de utilizar técnicas adequadas de interpretação astrológica como recurso psicodiagnóstico, para encaminhar questões em psicoterapia: quais as principais áreas internas pessoais de conflito (das quais costumam decorrer os conflitos externos), qual a causa destes conflitos (no tocante a características originárias de personalidade versus modelagem por pressões ambientais precoces) e quais potenciais podem ser terapeuticamente convocados para dissolver bloqueios e enriquecer o desenvolvimento pessoal.
Em ao menos oito áreas distintas de experiência vital: afetivo-relacional, intelectual-cognitiva, relação com bens e finanças, relação com casamento ou sociedade, relação com trabalho, religiosidade-espiritualidade, sexualidade-sensualidade e sociabilidade.
O segundo aspecto diz respeito ao que será abordado na próxima questão, pois facilita ao profissional de psicoterapia compreender com mais clareza quais conteúdos mentais, sejam conceituais ou sentimentais, e conflitivos ou não, estarão mais aflorados, ou exacerbados, em cada época da vida da pessoa, propiciando sua abordagem e bom encaminhamento terapêutico.
Em outras palavras, facilita ao psicoterapeuta apurar o foco das intervenções, bem como calibrar a intensidade de tais intervenções, almejando obter ressignificações e catarses transformadoras.

3. E a porção “previsão” da astrologia, como funciona para a psicologia?
Para entender melhor, e adequadamente, esta possibilidade técnica da Astrologia, é necessário admitir que:
a. os símbolos astrológicos denotam quais componentes psicodinâmicos se combinam em uma particular psique, e em que tipo e intensidade de combinação (eliciando certos, e não outros, sentimentos e ou pensamentos);
b. as expressões mais características da personalidade de alguém costumam se mesclar com eventos ambientais que ocorrem em sincronicidade e expõem significados análogos (complementares ou especulares, de “espelho”) ao que “dentro” se passa.
Admitindo isto, então, e podendo antecipar quais arranjos simbólicos astrológicos estarão ocorrendo a cada dado instante, pode-se prognosticar, com grande margem de acerto, quais vivências internas (em qualidade e intensidade) e experiências externas (em categoria experiencial) estarão ocorrendo a cada instante dado de tempo.
Visto assim, o que parece “previsão de futuro” é apenas a detecção de determinadas configurações mentais que predominarão em certo momento do futuro, e as categorias de ocorrências ambientais que, em sincronicidade, se combinarão com os conteúdos destas configurações mentais, propiciando sua melhor expressão.

4. Como um terapeuta pode usar astrologia para contribuir no tratamento, na prática?
Creio que foi respondido na questão 2. Sobre isto, penso ser necessário salientar um aspecto essencial da relação entre Astrologia e Psicologia: astrólogo não é terapeuta. Em certos casos, até pode haver superposição de preparos na mesma pessoa, mas por costume o astrólogo não detém o amplo leque de conhecimentos teóricos e técnicos necessários ao bom atendimento terapêutico, seja terapia profunda ou terapia breve, algo que somente por graduação (psicólogo) ou especialização (psiquiatra) se desenvolve.
Neste sentido, compete ao astrólogo, no máximo e se tiver preparo para isto, dar algum aconselhamento (até indicando que se faça terapia com profissional gabaritado), mais se aproximando do coaching do que da psicoterapia.
De outro lado, entre psicoterapeutas ainda há bastante desconhecimento das possibilidades psicodiagnósticas da Astrologia e, portanto, do quanto o seu ofício poderia ser enriquecido, na fase de diagnóstico, em benefício dos próprios pacientes.

5. Acreditar em horóscopo: faz bem ou mal? Qual o limite?
O limite é o do bom senso.
Se a pergunta refere o que se costuma ver em veículos de comunicação de massa (horóscopos de jornal ou revista, por exemplo), são generalizações para médias humanas e, como tal, insuficientes para aplicar-se com mais propriedade a qualquer pessoa em particular.
São como que descrições banalizadas das dinâmicas mais comuns da mente humana e, como tal, referentes a experiências vitais mais corriqueiras em todo mundo, apenas podendo ganhando maior ou menor realce em uma particular pessoa.

6. Um psicólogo que use a astrologia: como isso é regularizado, comunicado etc?
Ignoro como isto ocorre em outros países, mas no Brasil os Conselhos profissionais de Psicologia (Federal e Estaduais) não reconhecem a Astrologia como prática válida e aceita entre os recursos de psicoterapia reconhecidas legalmente.
Por esta razão, os psicólogos que utilizam os conhecimentos da Astrologia, sendo astrólogos ou lançando mão do trabalho de astrólogos profissionais, costumam não divulgar publicamente tal fato para não sofrer sanções.
Seria como a relação entre Medicina e curandeirismo: se um médico lançar mão de algum recurso de cura “natural” não reconhecido pelo Conselho Federal ou Regional de Medicina, mesmo tendo resultados positivos provavelmente ele não divulgará o fato.
Mas vale lembrar o que o antropólogo, sociólogo e filósofo Edgar Morin, um dos mais brilhantes pensadores dos finais do Século XX, afirmou em seu livro Ciência com consciência que “a ciência é, e continua a ser, uma aventura. A verdade da ciência não está unicamente na capitalização das verdades adquiridas, na verificação das teorias conhecidas, mas no caráter aberto de aventura que permite, melhor dizendo, que hoje exige a contestação das suas próprias estruturas de pensamento. Talvez estejamos num momento crítico em que o próprio conceito de ciência se esteja modificando”.
Sendo assim, as fronteiras entre profissões estão cada vez menos bem definidas e mesmo as características típicas de cada ofício estão mudando muito rapidamente, e talvez estejamos chegando num momento em que a Astrologia possa ser aceita como técnica de diagnóstico e prognóstico (por análise de tendências) da realidade, como proponho no livro Por uma Filosofia da Astrologia (2014).

7. As descrições dos signos e as previsões não são comumente muito genéricas e se encaixam em qualquer personalidade?
Depende de a qual nível de informação está se referindo.
Se a questão diz respeito às seções de Astrologia em veículos de comunicação de massa, certamente sim (embora em “quase qualquer” e, não, “qualquer personalidade”), e isto vimos na resposta à questão 5.
Se a questão diz respeito à interpretação que um profissional bem preparado é capaz de fazer, não, principalmente porque ele não interpretará o Signo isoladamente, mas no conjunto de muitos fatores-símbolo da Carta natal astrológica individual: toda pessoa, como todo fenômeno complexo, é multideterminado. E o Signo é apenas um dos fatores-símbolo de determinação; embora fundamental, há tonalizações.
A prática mostra haver arianos e arianos, ou taurinas e taurinas: para mais bem defini-los não basta ser de Áries ou Touro, há que ver o restante da Carta natal. Todavia, há traços específicos que diferenciam a ariana da taurina, por exemplo, assim como por mais que duas pessoas humanas sejam diferentes entre si, elas são extremamente parecidas, quando em comparação com um animal de outra espécie.

8. Li sobre o mecanismo chamado de Efeito Forer, de encaixar as descrições de acordo com o que “interessa” e ignorar o que não casa com seu perfil. Como isso funciona?
Por mais que se julgue ou busque ser racional ou isento, todos temos vieses cognitivos que interferem de modo poderoso na leitura que fazemos do mundo, dos outros e de nós mesmos no mundo.
Entre eles, está o de nos inclinarmos a valorizar o que dizem ser o melhor em nós mesmos, segundo o que julgamos ser positivo, bem como a minimizar o que dizem ser o pior em nós mesmos, segundo o que avaliamos ser negativo: trata-se de manter uma autoimagem positiva, tão necessária para a mente como manter uma boa saúde é para o corpo.
Além disso, temos forte inclinação a validar descrições genéricas como se dissessem diretamente respeito a nós, nos influenciando com isto e tendendo a aceitar afirmações sobre nós em função do nosso desejo de que as afirmações sejam verdadeiras, mais do que em função da exatidão empírica das afirmações, se avaliadas objetivamente.
Esta característica humana de “autoconvencimento” também talvez esteja por detrás do chamado “efeito placebo”, quando pílulas sem efeito medicinal algum são utilizadas em experimentos científicos e inexplicavelmente fazem com que certos pacientes se sintam melhor: “o médico disse que este remédio é bom!”.
Bertrand Forer foi um psicólogo norte-americano que, na década de 40 (buscando contrapor-se aos estudos sobre paranormalidade, então em curso) estudou e mensurou este aspecto humano de “autoconvencimento”, denominando-o “validação subjetiva”.
Tal fato, entretanto, não diz respeito apenas a afirmações de astrólogos, de cartomantes ou de praticantes de outras técnicas convencionalmente chamadas “divinatórias”: esta característica humana é aproveitada por todos aqueles que pretendam manipular opiniões das pessoas sobre si mesmas.
Por isso, para a Astrologia vir a ser aceita como recurso útil de diagnóstico da realidade mental, ela deverá ser, de alguma forma, validada mediante a mensuração objetiva de suas afirmações sobre alguém, mesmo que subjetivas, o que já é possível com procedimentos de avaliação psicodinâmica como o das Manchas de Rorschach.

Mas isto deverá vir no futuro, ainda não ocorre...


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