Se
as coisas são inatingíveis... Ora!
não
é motivo para não querê-las...
Que
tristes os caminhos, se não fora
a presença distante das estrelas!
Mário
Quintana
Dois anos atrás vivi a enorme satisfação
de poder lançar na Astrológica 2017 o livro Astrologia e Cristianismo em diálogo, no qual eu buscara integrar
de modo harmonizado conhecimentos de Astrologia, Ciências da Religião e
Psicologia.
Com o livro, eu conseguira trincar
um paradigma secular: pela primeira vez uma editora brasileira de raiz
católica, a Ideias & Letras, pertencente aos Redentoristas (que no Brasil cuidam
da Basílica de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, o maior templo mariano e o
segundo maior templo católico do mundo), aceitara publicar um livro
inteiramente favorável à Astrologia.
É sabido que a Igreja Católica
interdita por inteiro a aproximação de seus fiéis com a Astrologia, não por ser
superstição e, sim, por poder ser violação da fé. Mas em meu trabalho eu conseguira
mostrar que a Astrologia pode ser estudada e praticada de modo ético e
respeitoso por fieis de qualquer fé (e até por pessoas sem crença alguma), por
ela não ser matéria de fé ou crença e, sim, de conhecimento e razão, e, por
este motivo, poder ser utilizada de modo moralmente defensável ou não, conforme
ao livre-arbítrio da pessoa e sua intenção.
Como a editora descreveu em seu
site: “até onde se conhece, não há
literatura que busque aproximar a Astrologia de pessoas de perfil religioso
mais rigoroso, especialmente dentro do espectro de fé da Cristandade, em
virtude da oposição formal da Igreja Católica a todo tipo de prática tida como
divinatória – e a Astrologia é vista assim: apenas como forma de divinação.
Neste amplo contexto, a proposta central do livro é expor que a Astrologia é um
potente recurso de compreensão e descrição da realidade dos fenômenos, entre
eles os mentais, antes do que só recurso de arte divinatória, assim como
contextualizar aspectos morais e ou éticos associados à Astrologia, à luz de
obras de teólogos e Doutores da Igreja como S. Agostinho, S. Alberto Magno e S.
Tomás de Aquino”.
Dei como exemplo cabal o bispo dominicano
S. Alberto Magno, que, no século 13, em uma obra sobre a Astrologia, Speculum Astronomiæ, desenvolvida
a pedido do Papa Alexandre IV, afirmou que “as indicações celestes nada mais são senão a divina
providência”.
Para ele, que foi professor de S.
Tomás de Aquino na cidade alemã de Colônia, a Astrologia é a “a ciência do julgamento das estrelas,
que estabelece a relação entre filosofia natural e metafísica”,
sendo que “nenhuma
ciência humana alcança esta ordenação do universo [tão] perfeitamente como a
ciência dos julgamentos das estrelas o consegue”.
Mas
por que S. Alberto Magno e muitos outros a consideraram assim?
E
será que é de metafísica, mesmo, que a Astrologia sempre tratou?
(Uso
metafísica, aqui, no sentido platônico e mais usual do termo, como referido a algo
transcendente, acima da, ou anterior à, existência.)
Então,
na esteira do que me pareceu ter sido ganho importante para a imagem pública da
Astrologia, destinei-me a tentar abalar um outro importante paradigma: explicar
porque a Astrologia é de fato efetiva, isto é, por que “funciona” e quais são
suas causas naturais, não sendo crendice ou pseudociência – embora, como tudo
na existência, possa ter falhas ao se exercer.
A
autoridade do argumento, em vez do argumento da autoridade
Sem querer entrar no debate do que
é ou não ciência, debate, este, que a meu ver não é o mais importante, já que a
própria noção do que seja Ciência está em questão atualmente, um dia eu
escrevera a um bom amigo: no começo “pouco me importava se a Astrologia seria
considerada ciência, como se ser tida por ciência fosse ‘o grande barato’. O
que sempre me importou foi tentar colaborar com a possibilidade de a Astrologia
e as Ciências aproximarem seus caminhos de pesquisa e ensino, para beneficiarem
mais e melhor as pessoas do que andando separadas. Ocorre que as Ciências, para
estabelecerem um diálogo entre iguais, com equidade de valor identitário,
requerem que o interlocutor também seja Ciência. Então, passou a muito me
importar que a Astrologia viesse a ser tida como Ciência”.
Com isso em mente, desde 1988, ano
de meu primeiro texto sobre o tema, pelejo por ajudar a Astrologia a conquistar
credibilidade junto a campos da Ciência. Por ela, em todo esse tempo andei e
publiquei por diversificados caminhos do saber, da Mitologia à Hermenêutica, da
Filosofia à Semiótica, da Psicologia às Ciências da Religião, da Biologia
Evolutiva à Física (Clássica e Quântica), buscando fortalecer a possibilidade
desse reconhecimento.
Em todos os momentos, como empirista confiante, busquei seguir o que o
astrônomo e matemático árabe Abu Hasan Ibn al-Haitham, tido como “o pai da
óptica moderna”, afirmou em 1015 no seu Livro
de Óptica: “O buscador da verdade não é
aquele que estuda os escritos dos antigos e, seguindo sua disposição natural,
deposita sua confiança neles, mas, sim, aquele que suspeita de sua fé neles e
questiona o que recolhe deles, aquele que se submete ao argumento e
demonstração e, não, aos ditos de um ser humano cuja natureza é repleta de
todos os tipos de imperfeição e deficiência”.
Começando a ser vencida a barreira
contra a aproximação de cristãos (e fieis de outra fés) com a Astrologia, já
que, creio, meu livro foi só um passo em um longo caminho a percorrer, quis
desenvolver um novo trabalho que satisfizesse um duplo objetivo: a) apresentar,
para conhecimento, um modelo teórico coerente das causas naturais da
efetividade da Astrologia, tornando possível superar a presunção da atuação de
causas metafísicas, mas sem abrir mão da riqueza inestimável da simbologia
astrológica; b) articular, de modo contextualizado na história, para facilitar
e ampliar a compreensão, algumas das variadas e diferentes narrativas que
tentam explicar, há milênios, esta efetividade: a mais anciã, a das “energias
dos planetas”, e as mais recentes, como as de feitio mitológico, alguns conceitos
semiológicos (que são fundamentais para a adequada interpretação), a noção de sincronicidade
e certos postulados da contemporânea Física de Partículas (ou Quântica) e da
Biologia evolutiva avançada.
Com tudo isso convergindo para a
Psicologia, que tem sido o núcleo principal de meus interesses ao estudar e demonstrar
a Astrologia.
Avanços neste sentido eu já dera
em 2014, quando lancei Por uma Filosofia
da Astrologia, e no próprio Astrologia
e Cristianismo em diálogo eu já arriscara fazer uma apresentação preliminar
do modelo teórico da Astrologia Arquetípica, razão pela qual também creio que
este livro foi aceito para publicação, já que, além dos aspectos éticos e
morais dentro dos valores cristãos, eu tratara daquilo que, como possíveis
causas naturais, a meu ver faz com que a Astrologia de fato funcione e não seja
somente opinião de alguns baseada em crenças de muitos.
Uma
visão histórica multidisciplinar sobre a Astrologia
Não
pretendi apresentar uma nova técnica astrológica, pois as existentes são mais que
bastantes; quis, isto sim, situar o leitor em uma visão histórica que viesse desde
os babilônios, Ptolomeu e os persas até às ciências contemporâneas mais
avançadas, nos diferentes estágios da Astrologia Ocidental nesse longo percurso.
Além
disso, quis contar como avancei passo a passo entre 1984 e 2018, tecendo teoria
a teoria até conseguir desenvolver a minha própria hipótese, para que quem viesse
a ler pudesse acompanhar minha trajetória e entendê-la melhor.
As bases de entendimento
§
1984 e o compromisso com a Astrologia
§
Não é de energia sideral que a Astrologia
trata
§
A visão sistêmica, ou holística
§
Simbolismo com simultâneos significados
§
Arquétipos e imagens arquetípicas
§
A hipótese da sincronicidade
§
As Teorias de Campo
§
A estabilidade milenar do simbolismo astrológico
§
A hipótese dos campos morfogênicos
§
Casas
Astrológicas, um calidoscópio de campos
Aspectos éticos e morais da Astrologia
§ Destinação,
fé e livre-arbítrio
§
A Astrologia tem fundamento?
§
É ético adotar a Astrologia?
O desenvolvimento futuro
§
Autoconhecimento para aperfeiçoamento íntimo
§
Uma meta-Astrologia
§
Olhando além da Astrologia
§
As Ciências e a Astrologia
Ao
final do que escrevi e apresentarei na Astrológica 2019, que intitulei Astrologia
em Diálogo com a Ciência e a Fé, eu precisei certificar-me de que, no afã
de conceituar o modelo da Astrologia Arquetípica, eu não tivesse cometido impropriedades
lógicas ou de informação, pois trafegara por campos de conhecimento em que não
tenho preparo formal, como Biologia evolutiva e Física, seja a Clássica, seja a
de Partículas (ou Quântica), apropriando-as de um modo acessível ao leigo como
eu.
É
que eu costumo fazer força por não esquecer o que René Descartes escreveu no Discurso do Método, de 1637: “pode ser
que me engane e talvez não passe de um pouco de cobre e de vidro o que tomo por
ouro e diamantes [pois] sei o quanto estamos sujeitos a nos enganar naquilo que
nos diz respeito”.
Daí,
solicitei a um acadêmico que lesse criticamente o meu trabalho.
Eu
não o via desde o começo dos anos 2000, era pessoa sem convívio algum com a
Astrologia e, para o que eu necessitava, era alguém bem especial: Doutor em
Biologia, com longa vivência na orientação de trabalhos de Iniciação
Científica, de Mestres e de Doutores, havia sido Secretário Geral da Reitoria
de importante Universidade pública brasileira e tinha preparo e segura experiência
em avaliar a integridade expositiva de estudos que se propusessem a mesclar
informações e conceitos provindos de campos variados da Ciência e convergentes
para uma hipótese unificada, o que era exatamente o meu propósito.
Salvo algumas mínimas sugestões de
melhoria na precisão expressiva do que eu havia escrito, visando aperfeiçoar as
declarações de conhecimento que eu fazia, ele aprovou com entusiasmo o meu
trabalho e se disse “fascinado” (a expressão foi dele, em um e-mail) pelo novo
enfoque da Astrologia que eu pudera apresentar.
Como me escreveu: “considero esta
obra sua um divisor de águas daquilo que vem sendo construído historicamente a
partir das suposições e crenças de muitos autores, de pensadores e de práticos
em Astrologia. Além disso, a sua obra aloja em seu bojo o papel de sugerir um
lugar de respeito à Astrologia, senão como Ciência neste primeiro momento,
então, como uma metodologia de imprescindível apoio às demais áreas de
conhecimento”.
A consolidação de uma hipótese
Desculpem-me
se parece elogio em boca própria, mas até para mim mesmo foi fascinante constatar
que Carl Jung, nos anos finais de sua vida, evoluiu juntamente com o físico e Prêmio
Nobel Wolfgang Pauli no entendimento dos arquétipos como fatores ativos determinantes
do que ocorre tanto na mente quanto na existência objetiva, extramental, em uma
conceituação muito próxima do que seria a noção de campos morfogênicos, do
biólogo Rupert Sheldrake, como analiso e exponho em meu trabalho,
correlacionando-os (os arquétipos e os campos) à Astrologia.
Wolfgang
Pauli escrevera ao físico austríaco Marcus Fierz em 1948: “os fatores de
ordenação devem ser considerados além da distinção de ‘físico’ e ‘psíquico’
[...] Sou muito a favor de chamar esses arquétipos de ‘fatores ordenadores’, mas seria
inadmissível defini-los como conteúdos [exclusivos] da psique. Em vez disso, as
imagens internas são manifestações psíquicas dos arquétipos, que, no entanto, também teriam que
criar, produzir, causar tudo no mundo material que acontece de acordo com as
leis da natureza. As leis do mundo material se refeririam, portanto, às
manifestações físicas dos arquétipos [...] Cada lei natural deveria, então, ter uma
correspondência interna e vice-versa, mesmo que isso nem sempre seja plenamente
visível hoje”.
Ou,
como Jung viria a afirmar em correspondência trocada com Pauli em 1953, “a
característica peculiar do arquétipo é que ele se manifesta não apenas
psíquico-subjetivamente, mas também físico-objetivamente; em outras palavras, é possível que venha a ser provado ser uma
ocorrência interna psíquica e também externa física”.
Isto
me assegurou, mais ainda, do que a mim já parecia em 2013, quando passei a
adotar a expressão “Astrologia Arquetípica” para teorizar sobre a Astrologia em
Astrologia Arquetípica, autoconhecimento
e espiritualidade. Era disso o que desde sempre se tratou, embora na
linguagem e com os saberes de cada época e região: o conjunto dos efeitos padronizados
de arquétipos imateriais que atuam sobre a existência manifestada, seja em
pessoa, coisa ou evento, denotados (os efeitos-padrão e, não, os arquétipos!)
pelo simbolismo astrológico.
A
mágica nunca esteve nas estrelas: a mágica sempre esteve na mente humana, que
conseguiu retratar a realidade em símbolos, tendo por baliza para estabelecer
parâmetros a regularidade estável e perene do que se observava no céu. E, se
houve metafísica na Astrologia, ela não foi em momento algum no cosmo, mas na
mente humana, que parece ser ultra-natural, já que existe à imagem de Deus.
É
importante um registro.
A
despeito de que Astrologia em Diálogo
com a Ciência e a Fé é pleno de trechos de obras junguianas, sempre com citações
dos próprios textos dele e, não, somente, com ressignificações de sua obra,
como é o mais comum mas interpreta e por vezes até foge ao que de fato ele
escreveu, lembro o que o próprio Jung afirmou em uma carta pessoal de 1949, “só
espero e desejo que ninguém se torne ‘junguiano’. Eu não represento nenhuma
doutrina, mas descrevo fatos e apresento certos pontos de vista que julgo
merecedores de discussão [...] Não advogo nenhuma doutrina pronta e fechada e
abomino ‘partidários cegos’. Deixo a cada um a liberdade de lidar a seu modo
com os fatos, pois eu também tomo esta liberdade para mim”.
É
exatamente assim que eu penso.
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