No post anterior a este eu
perguntei:
“Afinal,
quando as Ciências se aproximarem da Astrologia, como é bom que isto ocorra,
que modelo teórico de Astrologia será apresentado para conhecimento e
avaliação?”
Uma vez mais indagaram-me
por que motivo eu insisto tanto em aproximar a Astrologia das Ciências, quase como
se julgasse ser necessário haver a aprovação delas para que reconhecesse a veracidade
efetiva do conhecimento astrológico.
Não é isso. Como assumi em Astrologia em diálogo com a Ciência e a Fé:
“Nunca vivi um instante sequer de
dúvida sobre a efetividade da Astrologia desde ter podido conhecê-la [em 1984],
razão possível por que, quanto eu mais seguia fiel a seu lado, ela tenha sido
tão generosa comigo, aos poucos entregando-me uns seus segredos”.
Nem poderia
ser de outro jeito, já que, como a ela se referiu o pedagogo, filósofo e teólogo alemão
Philip Melanchthon:
“Uma coisa é certa: a ciência da Astrologia é valiosa e verdadeira, é
uma coroa da espécie humana e, toda a sua honrosa sabedoria, um testemunho de
Deus”.
Melanchthon era
o braço-direito de Martinho Lutero, havia sido o
redator da Confissão de Augsburg em
1530 (um
dos dois principais documentos oficiais da Reforma Protestante) e foi ferrenho defensor dos aspectos positivos da Carta
Natal de Lutero, contra as interpretações negativas feitas pelos astrólogos
papais durante os confrontos religiosos com a Reforma.
Para
lembrar outra afirmação digna de grande destaque, cerca de 300 anos antes o bispo
dominicano S. Alberto Magno escrevera em Speculum
Astronomiæ,
obra por ele elaborada em 1260 a pedido do Papa Alexandre IV:
“Nenhuma ciência
humana alcança esta ordenação do universo [tão] perfeitamente como a ciência dos julgamentos das estrelas
o consegue”.
S.
Alberto Magno, que foi professor de S. Tomás de Aquino na Universidade de
Paris, na época o mais importante centro europeu de Teologia, é considerado um
dos mais completos e competentes pensadores cristãos do século 13.
Também,
segundo ele, como registrei em Astrologia e Cristianismo em diálogo:
“As indicações celestes nada mais são senão a divina providência”.
Em
decorrência, havendo aproximação entre as Ciências e a Astrologia, parece-me
que as Ciências é que mais ganharão com isto, por espantoso que possa parecer,
ao dizer assim hoje em dia.
Mas
este ganho em conhecimento não ocorrerá se não houver a aproximação – e, daí, a
minha intenção de favorecê-la.
Ludwig
von Bertalanffy foi um biólogo austríaco que em meados do século 20 revolucionou
os modelos científicos de compreensão da existência ao propor uma teoria geral
dos sistemas. Ele julgava que uma teoria como esta ofereceria um conjunto de
conceitos que, por ser integrado, poderia unificar as várias disciplinas
científicas que, a partir do século 17, foram ficando cada vez mais isoladas e
fragmentadas.
Assim
sendo, suas contribuições foram além da Biologia e se estenderam a Administração,
Cibernética, Filosofia, História, Psicologia, Psiquiatria e Sociologia.
De
acordo com o que ele demonstrou em Teoria
Geral dos Sistemas, sua teoria poderia ser tida como uma “ciência geral da
totalidade”:
“O paralelismo de concepções gerais ou, até mesmo, de leis
especiais em diferentes campos é uma consequência do fato de que estas se
referem a ‘sistemas’ e de que determinados princípios gerais se aplicam aos sistemas, independentemente de sua natureza” [isto é, da natureza dos
sistemas].
Como
a ele se referiu Thaddus Weckowicz, Professor Emérito de Psiquiatria e
Psicologia da Universidade de Alberta, no Canadá, que trabalhou com Bertalanffy
na década de 1960:
“Existem dois tipos de pensadores, estudiosos e
cientistas. Os primeiros são os pioneiros que propõem novas idéias
revolucionárias, apontam novos rumos para desenvolvimentos científicos e
intelectuais, criam novos paradigmas da ciência e da erudição, mas deixam os
detalhes para os outros. Os segundos são aqueles que seguem o novo rastro,
realizam cuidadosa experimentação e pesquisa dentro do paradigma estabelecido,
e elaboram as formulações precisas de teorias em um domínio particular de
conhecimento. Ludwig von Bertalanffy, que era tanto um cientista quanto um
estudioso, representava o primeiro tipo: ele era um pioneiro.
[...] Eventos
físicos, mentais e sociais podem parecer intrinsecamente distintos, mas são
organizados em sistemas, que são governados pelo mesmo conjunto de leis
sistêmicas. A unidade dos sistemas é a base da unidade da natureza, apesar da
variedade caleidoscópica das aparências externas.
[...] Ele criticava o culto ‘cartesiano’ do
pensamento analítico que prevalecia na ciência e na filosofia modernas. Ele
sugeriu que [o modelo cartesiano] deveria ser substituído pela noção de
sistemas holísticos. Em alguns aspectos, ele se retirou do paradigma
cartesiano-galileu da ciência, que se tornou predominante a partir do século XVII,
e retomou o paradigma neoplatônico do século XVI”.
Mais
propriamente, porém, aquilo que o neoplatônico Nicolau de Cusa (1401-1464) pensara, para quem “tudo está dentro de um outro tudo”, feito
“sistemas dentro de sistemas”.
No
tempo de S. Alberto Magno (século 13) e do Cardeal Nicolau de Cusa (século 16) Astronomia
e Astrologia ainda andavam juntas, sendo vistas como diferentes facetas de um
mesmo maravilhoso conjunto de conhecimentos.
Por
esta razão S. Alberto Magno escreveu na abertura de Speculum Astronomiæ:
“Há duas grandes sabedorias e ambas são definidas pelo nome
astronomia [...] A segunda grande sabedoria, também chamada
astronomia, é a ciência do julgamento das estrelas, que estabelece a relação
entre filosofia natural e metafísica”.
Além disso, naquele
período distante, o que hoje se denomina “conhecimento científico” era chamado
de “Filosofia Natural” (ou da Natureza). Para aquela forma de ver, portanto, como
ocorria na Europa (e nos países de cultura árabe), se “a ciência do julgamento
das estrelas estabelecia a relação entre filosofia natural e a metafísica”, era
normal e desejado que a Astrologia estivesse presente e ativa em todos os mais
importantes centros desenvolvedores de conhecimento, já que de algum modo se
relacionava a todas as coisas humanas e não-humanas.
Quanto à
causação das coisas e suas mudanças no âmbito terrestre, no livro Meteorologica
(Os corpos celestes) Aristóteles explicara assim:
“Este mundo [o sublunar, ou terrestre] tem
necessariamente uma certa continuidade com os movimentos superiores.
Consequentemente, todo seu poder e ordem provêm deles. Pois o princípio
originador de todo movimento é a causa primeira. Além disso, esse corpo é
eterno e seu movimento não tem limite no espaço, mas é sempre completo,
enquanto todos os outros corpos possuem regiões separadas que limitam uma à
outra. Assim, devemos tratar fogo e terra e os elementos semelhantes a eles [ar e água] como as causas materiais
dos acontecimentos neste mundo (significando o material que é sujeito e é
afetado), mas devemos assinalar causalidade, no sentido de princípio originador
do movimento, à influência dos corpos que se movem eternamente” [que são
os Planetas, compostos pelos Elementos Fogo, Terra, Ar e Água, que, por sua vez, eram
originados do Éter].
É necessário realçar que, quando
Aristóteles falava em “princípio originador do movimento”, e foi na filosofia aristotélica
que Ptolomeu embasou sua visão sobre a Astrologia, ele não estava se referindo
à ideia de deslocamento de algo pelo espaço (daqui para ali), como se poderia entender, mas, mais significativo,
estava aludindo à passagem de potência
(possibilidade de existir) a fato
(existência expressa) e, por isso, atribuía aos corpos celestes o papel de causa
efetiva dos acontecimentos terrestres: “devemos assinalar causalidade, no sentido de princípio originador do
movimento, à influência dos corpos que se movem eternamente” (que são os Planetas).
E como os
Elementos Fogo, Terra, Ar e Água não eram propriedades físico-químicas e, sim,
fatores metafísicos, já que, após terem emanado do Éter, estavam presentes em
tudo, fosse coisa, evento ou pessoa, entende-se que S. Alberto Magno viesse a
afirmar que “a ciência do julgamento das estrelas estabelece a relação entre
filosofia natural e metafísica”, isto é, entre o que ocorresse no âmbito
terrestre (e era objeto de filosofia) e a fonte imaterial da ocorrência de tudo
(o efeito dos Planetas).
Tudo!
Neste sentido oniabrangente, basta ver como Ramón Lull, um dos mais expressivos
pensadores catalães da Baixa Idade Média – com uma vasta obra que repercutiu em
Giovanni Pico della Mirandola, Cornelius Agrippa von Nettesheim, Giordano
Bruno, John Dee (astrólogo que era o Conselheiro da Rainha Elizabeth I, na
Inglaterra) e até Gottfried Wilhelm Leibniz, polímata e filósofo alemão que
viria a ser figura proeminente na história mundial da Matemática (concebeu o
cálculo diferencial) e da Filosofia –, se referiu em 1267 à Astrologia em O novo tratado de Astronomia:
“[…] coisas que pertencem ao julgamento da
astronomia, como a saúde, a enfermidade, a vida, a morte, a alegria, a ira, a
riqueza, a pobreza, a abundância, o repouso, o trabalho, o empreendimento de
uma viagem, o matrimônio, a procura de uma casa, o vento, a chuva, o gelo, o
latrocínio, a guerra, a paz, o lucro, a perda, a vitória, a derrota, ir a uma
terra e não a outra, buscar uma determinada coisa de um homem e não outro, ou
em um tempo e não em outro, banhar-se, fazer uma sangria, tomar um remédio,
empregar-se em um ofício e não em outro, ou em um ofício mais do que em outro,
pedir ou não pedir o conselho, a segurança, o perigo, dar, falar, silenciar,
ir, ficar, aprender e ensinar; e assim com as demais coisas que dizem respeito
ao acaso e ao favorecimento, ou ao desfavorecimento”.
Como se vê, na
prática a Astrologia era exercida, tal qual viria a ser expressado no século 20
por von Bertalanffy, como “uma ciência geral da totalidade”.
A
interpretação competente dos símbolos astrológicos podia orientar tudo: caça e
pesca, coleta, agricultura e pecuária, artesania têxtil, de metais ou de
madeira, o comércio, a engenharia e arquitetura da época, as relações humanas, as
atividades do dia a dia, o manejo do poder e as artes da guerra e da saúde: em
1405, os estudantes de Medicina na Universidade italiana de Bolonha, a mais
antiga universidade do mundo, tinham de fazer um curso de quatro anos sobre Astrologia.
Desde o
início a Astrologia era verdadeiramente transversal, na medida em que os diagnósticos
e os prognósticos que ela elaborava serviam para todas as áreas da existência,
e desta transversalidade, que parecia quase propiciadora de onisciência,
brotava a sua imagem de rara nobreza, com apoio em seus símbolos polissêmicos.
Só não se
sabia exatamente como ela funcionava e, por isso, sua funcionalidade era atribuída
a fatores metafísicos de caráter divino, já que algo parecia operar, além das causas materiais ou
objetivas percebidas, mas nada se conhecia deste “algo”.
O
conhecimento humano teve de avançar muito para chegar na concepção de
arquétipos ou campos morfogênicos como fatores imateriais e intemporais
naturais de cocausação (por um longo período tidos como metafísicos), já que foi
aos efeitos deles que a Astrologia desde o começo parece ter se referido de
modo padronizado.
Pois, se
estou correto no que penso, o saber astrológico é o resultado acumulado de
milênios a fio de observação, registro e associação de peculiares jeitos de ser
das coisas, dos acontecimentos e das pessoas, a típicos padrões zodiacais, já
que os padrões zodiacais eram matematicamente calculáveis e os efeitos associados
a eles eram probabilisticamente previsíveis em qualquer período de tempo
desejado e todo objeto de análise (fosse coisa, evento ou pessoa), para
conferência posterior sobre se haviam ocorrido ou não os efeitos esperados quando
da ocorrência dos padrões zodiacais e ajuste fino das relações de
coincidência significativa verificada, para maior apuro na detecção.
Por isso,
embora a tendência interpretativa da Astrologia Ocidental no século 20 venha sendo
crescentemente determinada pelos conhecimentos e explicações das Ciências da
Consciência e do Comportamento, referindo-se mais e mais, portanto, aos fatos
da mente humana (individual e coletiva), a Astrologia continua a poder ser inteiramente
transversal, aplicando-se de modo competente em múltiplos outros campos de
conhecimento, seja nas Ciências da Natureza, seja nas Ciências Sociais.
“Eventos
físicos, mentais e sociais podem parecer intrinsecamente distintos, mas são
organizados em sistemas, que são governados pelo mesmo conjunto de leis
sistêmicas”, explicou Weckowicz, como vimos no início.
Se
admitirmos que as ocorrências da existência manifesta são em grande medida
consequências do efeito cocausal de arquétipos, ou campos morfogênicos, atuando
sobre as condições enérgico-materiais das coisas, dos acontecimentos e das
pessoas no continuum tempo-espaço, e
que a Astrologia Arquetípica propicia a identificação dos efeitos específicos dos
arquétipos sobre qualquer tipo de fenômeno – embora não dos próprios
arquétipos, em si, já que eles não são perceptíveis por método algum conhecido
–, a Astrologia é um ferramental deveras precioso para uma percepção mais
apurada da dinâmica das coisas na existência.
Em associação
livre ao conceito de von Bertalanffy, penso que os arquétipos são “os princípios gerais [que] se aplicam a sistemas,
independentemente de sua natureza” (embora cada arquétipo, ou conjunto articulado
de arquétipos, se faça sentir conforme à natureza específica do sistema).
Por tal
razão, se é possível identificar quais poderão ser os efeitos probabilísticos de
cada um destes princípios gerais, ou arquétipos, segundo o que denotam os
símbolos astrológicos ou arranjos simbólicos a eles associados (conforme o tipo
de objeto sob análise), é possível diagnosticar quais ocorrências
enérgico-materiais poderão se dar em coisa, evento ou pessoa, e quando, e onde.
Então, se vimos que, no dizer de S. Alberto Magno, “nenhuma ciência humana alcança esta ordenação do
universo [tão] perfeitamente como a ciência dos julgamentos das estrelas
o consegue” – e em meu entender é a todas as coisas de alguma forma ordenadas
que S. Alberto diz que a Astrologia se refere e, por isso, ele afirma “universo”
–, é nesta imensa riqueza de possibilidades de detecção e compreensão por meio
da Astrologia Arquetípica que eu penso que as Ciências, todas elas, podem se
abeberar, desde que queiram.
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