Quando se
analisa a complexa e intensa dinâmica cultural que o Brasil vem vivendo, com
enormes desafios políticos, sanitários e socioeconômicos concomitantes, chama
atenção a semelhança com o que se costuma sofrer, em nível pessoal, quando
Saturno transita pela Casa XII da Carta Natal astrológica de alguém, pois, em
ambos os casos, ao se falar desta Casa também está se dizendo da mobilização
de sombra e daquilo que
está negado, reprimido ou ainda permanece desconhecido, e vive recalcado em seu
inconsciente.
Os
Planetas se deslocam sem cessar sobre o Zodíaco e a este movimento se usa
chamar Trânsito; já, a Casa XII, é por convenção associada ao “carma
pessoal”, isto é, àquilo que, supostamente vindo de existências passadas, cobra
expressão objetiva e subjetiva na existência para poder ser conscientizado, em
uma densa dinâmica psicoemocional que em geral é doloridíssima ao ativar
conteúdos inconscientes até então não admitidos na consciência e, por isso
mesmo, desafiadores da imagem idealizada que se tenha de si.
Quando
falo em “carma”, lembro Jung na autobiografia Memórias, sonhos,
reflexões: não sei responder se o carma que vivo é o resultado de
minhas vidas passadas, ou uma aquisição de meus ancestrais, cuja herança se
condensou em mim.
Seja uma
coisa ou outra, tanto faz, por esta razão o bom intérprete astrológico enfatiza
para o consulente, quando tal dinâmica está em curso ou por ocorrer – Trânsito
de Saturno sobre a Casa XII –, a importância de buscar ajuda, seja por terapia
ou outra forma de aconselhamento e apoio, pois raras são as pessoas que lidam
de modo adequado com tudo isso, e por um bastante longo período de tempo, sem
marcantes momentos de perda de equilíbrio e necessidade de suporte, orientação
e consolo.
E o que
se verifica relativo à Carta Natal astrológica do Brasil, se interpretada a
Carta que se calcula para o Dia da Independência (07.09.1822, 16h08m, São
Paulo/SP), como os astrólogos vêm adotando há décadas?
Com o
início da Casa XII em 21o34’ de Capricórnio e o término em 20 o46’
de Aquário, que marcará o Ascendente e o estabelecimento, daí em diante, por
ser Casa I, de uma ordem viável de apresentação de si ao mundo (aquilo que no
plano individual se intitula “persona”, no modelo junguiano), vemos que Saturno
cruza a Casa XII inteira da Carta Natal astrológica do Brasil exatamente entre
dezembro de 2018 e dezembro de 2022.
Olhando
um pouco mais atrás, mas em nível planetário, porque não referenciado a país
específico algum, vê-se que, como registrei em Astrologia arquetípica
em diálogo com a Ciência e a Fé: entre os anos de 2010 e 2016 o
espírito do tempo [tenderia] a se caracterizar, segundo os símbolos zodiacais,
por tensos e agressivos movimentos coletivos de desafio às ordens estabelecidas
[...] Uma T-Quadrada e uma posterior Grande Cruz Cósmica (simultâneas
Quadraturas e Oposições entre Júpiter, Saturno, Urano e Plutão, todos estes
Planetas sendo símbolos astrológicos de ocorrências na esfera humana grupal ou
coletiva) denotavam que a Humanidade, embora em cada local com cores, dores e
valores bem peculiares, deveria vir a atravessar no período marcantes ímpetos
de acentuada disrupção, com o tipo de dinâmica própria de uma crise evolutiva,
só que, neste caso, em âmbito de massa.
E exemplifiquei: ao
que se viu, e quase que ao mesmo tempo, nesta brevíssima fase da alma humana
coletiva o Norte da África foi tomado pelas Primaveras árabes (2010-2012), a
Inglaterra se incendiou sob as manifestações de Tottenham no Nordeste de
Londres (2011), a Espanha conheceu Los Indignados (2011-2014), os Estados
Unidos foram impactados por Occupy Wall Street (2011-2015) e, entre demais
lugares, milhões foram às ruas no Brasil entre 2013 e 2015 (sendo que o triênio
teve um acentuado perfil Urano-Plutão, o que denota o zeitgeist protofascista e
autoritário furtivo que veio até 2017, lembrando que, no simbolismo
astrológico, rancor e ódio se associam a Plutão), várias vezes sem saber
exatamente por que e sob liderança difusa, em meio à violência anônima e à
agressividade destrutiva de blackblocs.
Passada a
quadra 2010-2016, e arrefecido o impulso que co-determinava a mente coletiva
[...] mesmo continuando a haver razões para a mobilização de massas isso não
mais ocorreu em lugar algum, como houvera. Muito pouco mudou, de fato, nos
países árabes, com relação aos sistemas vigentes; nada se modificou
substancialmente nos jogos financeiros de Wall Street; a estrutura política
espanhola não se alterou de modo essencial; os policiais londrinos continuaram
agredindo jovens, sem isso resultar em novas explosões de descontentamento; e
no Brasil, inclusive com uma greve de caminhoneiros que paralisou o País por 15
dias em 2018 e o pôs de joelhos, não se viu nem umas poucas centenas de pessoas
em manifestações contrárias ou favoráveis à paralisação e não mais se ouviu
falar de blackblocs ou de multidões ocupando as ruas brasileiras, assim como em
outros locais do mundo, nos moldes do que se passara bem pouco antes (nos anos
seguintes houve manifestações massivas em outros países, claro, mas por motivos
precisos e sem o perfil difuso e genérico antissistema que predominara).
Como o
norte-americano Richard Tarnas conceituou em Cosmos and Psyche, a
súbita aparição de uma vontade coletiva de poder, durante as épocas presididas
por Urano-Plutão, também pode concentrar-se e se encarnar em uma única figura
poderosa, um conquistador ou tirano político-militar [...] que parece
impulsionado por uma força da natureza.
No mundo,
entre 2015 e 2018 sofreu-se o que foi indicado por uma Quadratura Urano-Plutão
e, no Brasil, isto se objetivou com a construção e a posterior vitória da
candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência da República, exemplo vivo do pior
de nossa ancestralidade, inaugurando-se, na imediata sequência, a partir de
2019, de modo compulsivo (donde, “fanatizado”), o período de enfrentamento
coletivo do que se poderia chamar de “carma nacional”, que tende a se encerrar
(o período e, não, o “carma”) com Saturno transitando o Ascendente e passando a
transitar na Casa I a partir de janeiro de 2023.
Richard
Tarnas, psicólogo, historiador cultural por Harvard e diretor fundador do curso
de “Filosofia, Cosmologia e Consciência” do California Institute of Integral
Studies, em São Francisco, pesquisou por 30 anos a ocorrência coincidental, no
tempo, de certos arranjos simbólicos astrológicos e peculiares tipos de evento
no âmbito humano coletivo.
Como ele,
que nunca foi astrólogo, escreveu: o que me estimulou especialmente e,
no final, me levou a reconsiderar a Astrologia, foram [...] os resultados inesperados
da investigação que eu decidi realizar por conta própria [durante as décadas de
1970 à de 2000]. O que eu achei excedeu minhas expectativas: cheguei à
convicção de haver uma correspondência extremamente significativa – e
omniabrangente – entre movimentos planetários e assuntos humanos.
Em
essência, a Astrologia parecia oferecer um tipo singularmente útil de
compreensão da atividade dinâmica dos arquétipos na experiência humana, pois
indicava quais eram mais operativos em [cada] caso específico, em que tipo de
combinações [quais Planetas], em que períodos de tempo e decorrendo de que
configurações principais [ou Aspectos]. Com tal perspectiva, esse
desenvolvimento emergente da tradição astrológica pode essencialmente ser
considerado como sendo uma continuação aprofundada da dinâmica da psicologia
profunda, a saber, tornar o inconsciente consciente [isto é: ajudá-lo a se
revelar].
Comprovei
[com a pesquisa] que a perspectiva astrológica arquetípica, se bem entendida,
tem uma capacidade única de esclarecer a dinâmica tanto da história cultural,
quanto da biografia pessoal. Proporciona uma extraordinária penetração nos
padrões mutáveis e mais profundos da psique individual e coletiva, assim como
na complexa natureza participativa da realidade humana.
A
evidência não sugere que os Planetas sejam eles, mesmos, causas de vários
eventos ou traços de caráter, mas, sim, que existe uma correspondência empírica
coerentemente significativa entre os dois conjuntos de fenômenos, o astronômico
[ou astrológico] e o humano, e que o mais frutífero é abordar o princípio da
conexão entre eles como uma certa forma de sincronicidade por intermédio de
arquétipos.
No caso
do Brasil, se olharmos o coletivo, o enfrentamento do “carma” nacional veio
sendo a dura confrontação do racismo estrutural (dada a negação histórica das sequelas da
escravidão), da misoginia (que delimita a mulher como objeto sexual ou serviçal
doméstica), do preconceito homofóbico (evidenciado por séculos no travestimento
carnavalesco), do uso da mentira como forma de controle (e manipulação de
comportamento), da aporofobia (muitas vezes mascarada pelo que se diz ser
caridade) e da violência raivosa, perversa e destrutiva que dormita sob a
imagem mitificada do “brasileiro pacato e bonzinho” (em 2021 foram assassinadas
4,6 pessoas por dia no Brasil, 3,6 sendo em feminicídios), todos sendo traços
marcantes na cultura brasileira, e vivos no Jair, mas mantidos abafados na sombra coletiva,
em benefício da imagem até agora idealizada de nós mesmos, enquanto povo e cada
um.
Sofridíssimo
período, este, que atravessamos, uns com melhor entendimento, outros, com pior,
mas imprescindível a todos para que os conteúdos da sombra nacional,
ao emergirem do mar coletivo inconsciente para a consciência grupal, e se forem
bem admitidos e integrados, o que requer coragem, determinação e resiliência,
possam nos levar a um nível de consciência humana superior e mais felicitadora
(embora umas pessoas, mais, e outras, menos, que pena! conforme a destinação
arquetípica de cada qual).
Que
possamos ter mais um pouquinho de capacidade de suportação! Está quase por
acabar esta longa (longuíssima, em nível individual!) etapa.
Lembremos
Fernando Pessoa:
Valeu a pena? Tudo vale a pena
se a alma não é pequena.
Deus ao mar o perigo e o abismo
deu,
mas nele é que espelhou o céu.