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2 de jul. de 2022

A sombra do Brasil

 


Quando se analisa a complexa e intensa dinâmica cultural que o Brasil vem vivendo, com enormes desafios políticos, sanitários e socioeconômicos concomitantes, chama atenção a semelhança com o que se costuma sofrer, em nível pessoal, quando Saturno transita pela Casa XII da Carta Natal astrológica de alguém, pois, em ambos os casos, ao se falar desta Casa também está se dizendo da mobilização de sombra e daquilo que está negado, reprimido ou ainda permanece desconhecido, e vive recalcado em seu inconsciente.

 

Os Planetas se deslocam sem cessar sobre o Zodíaco e a este movimento se usa chamar Trânsito; já, a Casa XII, é  por convenção associada ao “carma pessoal”, isto é, àquilo que, supostamente vindo de existências passadas, cobra expressão objetiva e subjetiva na existência para poder ser conscientizado, em uma densa dinâmica psicoemocional que em geral é doloridíssima ao ativar conteúdos inconscientes até então não admitidos na consciência e, por isso mesmo, desafiadores da imagem idealizada que se tenha de si.

Quando falo em “carma”, lembro Jung na autobiografia Memórias, sonhos, reflexõesnão sei responder se o carma que vivo é o resultado de minhas vidas passadas, ou uma aquisição de meus ancestrais, cuja herança se condensou em mim.

Seja uma coisa ou outra, tanto faz, por esta razão o bom intérprete astrológico enfatiza para o consulente, quando tal dinâmica está em curso ou por ocorrer – Trânsito de Saturno sobre a Casa XII –, a importância de buscar ajuda, seja por terapia ou outra forma de aconselhamento e apoio, pois raras são as pessoas que lidam de modo adequado com tudo isso, e por um bastante longo período de tempo, sem marcantes momentos de perda de equilíbrio e necessidade de suporte, orientação e consolo.

 

E o que se verifica relativo à Carta Natal astrológica do Brasil, se interpretada a Carta que se calcula para o Dia da Independência (07.09.1822, 16h08m, São Paulo/SP), como os astrólogos vêm adotando há décadas?

Com o início da Casa XII em 21o34’ de Capricórnio e o término em 20 o46’ de Aquário, que marcará o Ascendente e o estabelecimento, daí em diante, por ser Casa I, de uma ordem viável de apresentação de si ao mundo (aquilo que no plano individual se intitula “persona”, no modelo junguiano), vemos que Saturno cruza a Casa XII inteira da Carta Natal astrológica do Brasil exatamente entre dezembro de 2018 e dezembro de 2022.

Olhando um pouco mais atrás, mas em nível planetário, porque não referenciado a país específico algum, vê-se que, como registrei em Astrologia arquetípica em diálogo com a Ciência e a Féentre os anos de 2010 e 2016 o espírito do tempo [tenderia] a se caracterizar, segundo os símbolos zodiacais, por tensos e agressivos movimentos coletivos de desafio às ordens estabelecidas [...] Uma T-Quadrada e uma posterior Grande Cruz Cósmica (simultâneas Quadraturas e Oposições entre Júpiter, Saturno, Urano e Plutão, todos estes Planetas sendo símbolos astrológicos de ocorrências na esfera humana grupal ou coletiva) denotavam que a Humanidade, embora em cada local com cores, dores e valores bem peculiares, deveria vir a atravessar no período marcantes ímpetos de acentuada disrupção, com o tipo de dinâmica própria de uma crise evolutiva, só que, neste caso, em âmbito de massa.

E exemplifiquei: ao que se viu, e quase que ao mesmo tempo, nesta brevíssima fase da alma humana coletiva o Norte da África foi tomado pelas Primaveras árabes (2010-2012), a Inglaterra se incendiou sob as manifestações de Tottenham no Nordeste de Londres (2011), a Espanha conheceu Los Indignados (2011-2014), os Estados Unidos foram impactados por Occupy Wall Street (2011-2015) e, entre demais lugares, milhões foram às ruas no Brasil entre 2013 e 2015 (sendo que o triênio teve um acentuado perfil Urano-Plutão, o que denota o zeitgeist protofascista e autoritário furtivo que veio até 2017, lembrando que, no simbolismo astrológico, rancor e ódio se associam a Plutão), várias vezes sem saber exatamente por que e sob liderança difusa, em meio à violência anônima e à agressividade destrutiva de blackblocs.

Passada a quadra 2010-2016, e arrefecido o impulso que co-determinava a mente coletiva [...] mesmo continuando a haver razões para a mobilização de massas isso não mais ocorreu em lugar algum, como houvera. Muito pouco mudou, de fato, nos países árabes, com relação aos sistemas vigentes; nada se modificou substancialmente nos jogos financeiros de Wall Street; a estrutura política espanhola não se alterou de modo essencial; os policiais londrinos continuaram agredindo jovens, sem isso resultar em novas explosões de descontentamento; e no Brasil, inclusive com uma greve de caminhoneiros que paralisou o País por 15 dias em 2018 e o pôs de joelhos, não se viu nem umas poucas centenas de pessoas em manifestações contrárias ou favoráveis à paralisação e não mais se ouviu falar de blackblocs ou de multidões ocupando as ruas brasileiras, assim como em outros locais do mundo, nos moldes do que se passara bem pouco antes (nos anos seguintes houve manifestações massivas em outros países, claro, mas por motivos precisos e sem o perfil difuso e genérico antissistema que predominara).

 

Como o norte-americano Richard Tarnas conceituou em Cosmos and Psychea súbita aparição de uma vontade coletiva de poder, durante as épocas presididas por Urano-Plutão, também pode concentrar-se e se encarnar em uma única figura poderosa, um conquistador ou tirano político-militar [...] que parece impulsionado por uma força da natureza.

No mundo, entre 2015 e 2018 sofreu-se o que foi indicado por uma Quadratura Urano-Plutão e, no Brasil, isto se objetivou com a construção e a posterior vitória da candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência da República, exemplo vivo do pior de nossa ancestralidade, inaugurando-se, na imediata sequência, a partir de 2019, de modo compulsivo (donde, “fanatizado”), o período de enfrentamento coletivo do que se poderia chamar de “carma nacional”, que tende a se encerrar (o período e, não, o “carma”) com Saturno transitando o Ascendente e passando a transitar na Casa I a partir de janeiro de 2023.

Richard Tarnas, psicólogo, historiador cultural por Harvard e diretor fundador do curso de “Filosofia, Cosmologia e Consciência” do California Institute of Integral Studies, em São Francisco, pesquisou por 30 anos a ocorrência coincidental, no tempo, de certos arranjos simbólicos astrológicos e peculiares tipos de evento no âmbito humano coletivo.

Como ele, que nunca foi astrólogo, escreveu: o que me estimulou especialmente e, no final, me levou a reconsiderar a Astrologia, foram [...] os resultados inesperados da investigação que eu decidi realizar por conta própria [durante as décadas de 1970 à de 2000]. O que eu achei excedeu minhas expectativas: cheguei à convicção de haver uma correspondência extremamente significativa – e omniabrangente – entre movimentos planetários e assuntos humanos.

Em essência, a Astrologia parecia oferecer um tipo singularmente útil de compreensão da atividade dinâmica dos arquétipos na experiência humana, pois indicava quais eram mais operativos em [cada] caso específico, em que tipo de combinações [quais Planetas], em que períodos de tempo e decorrendo de que configurações principais [ou Aspectos]. Com tal perspectiva, esse desenvolvimento emergente da tradição astrológica pode essencialmente ser considerado como sendo uma continuação aprofundada da dinâmica da psicologia profunda, a saber, tornar o inconsciente consciente [isto é: ajudá-lo a se revelar].

Comprovei [com a pesquisa] que a perspectiva astrológica arquetípica, se bem entendida, tem uma capacidade única de esclarecer a dinâmica tanto da história cultural, quanto da biografia pessoal. Proporciona uma extraordinária penetração nos padrões mutáveis e mais profundos da psique individual e coletiva, assim como na complexa natureza participativa da realidade humana.

A evidência não sugere que os Planetas sejam eles, mesmos, causas de vários eventos ou traços de caráter, mas, sim, que existe uma correspondência empírica coerentemente significativa entre os dois conjuntos de fenômenos, o astronômico [ou astrológico] e o humano, e que o mais frutífero é abordar o princípio da conexão entre eles como uma certa forma de sincronicidade por intermédio de arquétipos.

 

No caso do Brasil, se olharmos o coletivo, o enfrentamento do “carma” nacional veio sendo a dura confrontação do racismo estrutural (dada a negação histórica das sequelas da escravidão), da misoginia (que delimita a mulher como objeto sexual ou serviçal doméstica), do preconceito homofóbico (evidenciado por séculos no travestimento carnavalesco), do uso da mentira como forma de controle (e manipulação de comportamento), da aporofobia (muitas vezes mascarada pelo que se diz ser caridade) e da violência raivosa, perversa e destrutiva que dormita sob a imagem mitificada do “brasileiro pacato e bonzinho” (em 2021 foram assassinadas 4,6 pessoas por dia no Brasil, 3,6 sendo em feminicídios), todos sendo traços marcantes na cultura brasileira, e vivos no Jair, mas mantidos abafados na sombra coletiva, em benefício da imagem até agora idealizada de nós mesmos, enquanto povo e cada um.

Sofridíssimo período, este, que atravessamos, uns com melhor entendimento, outros, com pior, mas imprescindível a todos para que os conteúdos da sombra nacional, ao emergirem do mar coletivo inconsciente para a consciência grupal, e se forem bem admitidos e integrados, o que requer coragem, determinação e resiliência, possam nos levar a um nível de consciência humana superior e mais felicitadora (embora umas pessoas, mais, e outras, menos, que pena! conforme a destinação arquetípica de cada qual).

Que possamos ter mais um pouquinho de capacidade de suportação! Está quase por acabar esta longa (longuíssima, em nível individual!) etapa.

Lembremos Fernando Pessoa:

Valeu a pena? Tudo vale a pena

se a alma não é pequena.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,

mas nele é que espelhou o céu.


 

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