O espaço virtual em que se expõe a teia do mundo
Luiz Carlos C. Teixeira de
Freitas
A Astrologia é um espaço
virtual de síntese, pelo qual a teia do mundo se evidencia.
Para perceber e bem expor
a teia, a Astrologia tem de abeberar-se em múltiplas fontes e tipos de
conhecimento ao se exercer em função, segundo a natureza típica da forma de existência
que pretende conhecer e descrever: aqui, a mente humana individual; ali, um
órgão ou organismo; acolá, a manifestação grupal da mente humana coletiva, zeitgeist,
ou genius seculi, ou espírito do tempo; mais além, um evento ou fenômeno
de ordem físico-química, seja mineral, vegetal ou animal inumano.
Ela não é ciência, na
medida em que não gera conhecimento específico, mas é técnica, ou arte, que
aproveita, correlaciona e integra conhecimentos já existentes, ou ainda
emergentes, provindos de múltiplos campos de ciência e conhecimento, para
descrever, pela interpretação de símbolos correlacionados, a realidade manifestada
sobre a qual, então, se debruça.
Sendo mais Social do que
Natural, e digo assim aproveitando a nomenclatura que ainda divide as ciências
em agrupamentos diversos: Ciências Sociais, Ciências Exatas (como se alguma o
fosse!) e Ciências da Natureza, a Astrologia veio adaptando os termos de descrição
conforme se alterava o cenário no qual se exercia, submetida, ela (isto é: os
termos utilizados para construir suas narrativas), às condições compreensivas e
descritivas próprias do panorama humano de cada época.
Ainda hoje, ela é dominada
e descrita por um tipo de visão mecanicista que supõe serem efeitos de “energia
dos astros“ o que causa ou condiciona os fenômenos descritos por ela.
Simbólica que é, a
Astrologia conta com diferentes conjuntos de significantes, segundo a cultura e
a visão de mundo em que foi desenvolvida. Desde os primórdios, porém, aponta análogos
fenômenos de base, desdobrados da teia do mundo, já que estes pouco se
alteraram no perpassar dos milênios.
Modificou-se a compreensão
e a decorrente descrição, mas, não, a natureza fenomênica em si, no que toca
aos principais vetores, dinamismos e propósitos de cada coisa existente, seja
evento, objeto ou pessoa.
Para exemplificar o que
digo, imagine o ser humano: do Neolítico, aproximadamente entre 12.000 e 4.000
a. C., ao Contemporâneo (escrevo em 2014), muito variou no entorno. Como diria
Umberto Eco, na concha de objetos de cada um (e dos coletivos).
Entretanto, bem pouco se
alterou na base do interior profundo das coisas, razão pela qual ainda nos
assombramos ao saber que este homem ou aquela mulher agiu de forma que parece
bárbara e incivilizada, ou nos espantamos ao conhecer um comportamento de um
povo que julgamos exótico, mas vemos ser bem assemelhado ao nosso no que
interessa ao humano, apenas peculiar.
Porque, fiel aos arquétipos,
tudo continua similar no interior, onde se ouvem os ecos da teia do mundo.
O trigo (vale dizer:
alimentar-se) é o mesmo; a necessidade de gerar e manter o fogo aceso, ou a
roupa protetora, é igual; permanece o interesse pelo indivíduo do sexo oposto
(ou do mesmo, em casos vários, embora o oposto predomine, para a reprodução da
espécie); a rapina, por necessidade ou cobiça, também se mantém; e tal ocorre
com a capacidade de solidariedade, diferencial competitivo da espécie para a
sobrevivência grupal.
Como isto se manifesta, ou
se exerce, é que mudou em algo. O que há de essência, ou propósito, é bem
parecido.
Com a possibilidade
autorreflexiva que a consciência instala, o ser humano é por índole
autocentrado, razão pela qual mudar o foco para o “outro”, seja quem for, é
conquista ultra-humana (exceto, talvez, por determinação biológica, o caso da
mãe e sua cria). Contra naturam, diria um filósofo, ou contra a
natureza, graças a isto a autoconsciência dela se destaca.
Contudo, nem que em
benefício de outrem, o possessivo na primeira pessoa é intenso e dominante:
meu, minha. Como melhoro meu rendimento, para ajudar melhor minha
família? Como corrijo meus erros, para servir melhor a meu
próximo?
Se meu ou minha indica o
quanto sou central em tudo o que penso, sinto e ajo, e nada do que faço ou
experimento ocorre sem a operação perceptual, evocativa e expressiva de minha
mente, baseada em signos (semióticos, não, astrológicos), “a psique é o eixo do
mundo”, como Jung um dia definiu.
E se a psique é o eixo do
mundo, é natural que 90% (ou mais) do que a pessoa indaga estarem a si
relacionados.
No tempo de Ptolomeu, ou
avançando milênio e meio, na época de Jean-Baptiste Morin de Villefranche, não
se concebia a psique como conseguimos fazê-lo a partir do Século XIX (razão
porque só em 1936 o pioneiro Dane Rudhyar pôde associar Astrologia à
Psicologia), mas nem por isto a mente deixava de existir e se fazer decisiva em
quase tudo o que ocorria ao ser humano, seja por dominância inconsciente,
quando de determinação consciente não cabe falar, seja por sincronicidade, que
também congrega a mente.
Apenas recebia outro
nome-conceito.
Por isso, os consulentes
de Ptolomeu, em Alexandria, ou os do astrólogo que hoje atende na avenida
Paulista, em Bombaim, Johanesburgo, Nova Iorque ou Zurique, trazem questões
pessoais ou a si relacionadas, o que dá no mesmo, tenha sido um rei, algum dia,
tenha sido uma estagiária, semana passada.
Não há um interesse apenas
intelectual ao utilizar-se a Astrologia Mundial para prognosticar fenômenos de
abrangência grupal ou coletiva (que em certa medida afetam o indivíduo que
pergunta); ou ao utilizar-se a Astrologia Eletiva para indicar o momento mais
conveniente para a fundação de uma empresa (que de algum modo afeta o capital e
o trabalho pessoais alocados nela); da Astrologia Médica, da Astrologia Clínica
(Psicológica) ou da Astrologia Vocacional, nem carece lembrar.
Há sempre interesse
afetivo, seja de anseio ou receio.
Tudo é eu e ao mim, de
algum modo, relacionado.
Mas Fernando Pessoa nos
fez lembrar: “cada um é muita gente, para mim sou quem me penso”. De que eu se
fala, então, e de fato, ao se falar de alguém? Que eu expõe a questão que é
apresentada? Como cada eu se relaciona, ou é relacionado, com a ocorrência
vivida ou antecipada? Quais temores, quais amores, quais carências, quais
desejos?
A tudo isto a Astrologia
busca oferecer descrição com significado. Todo o mais é curiosidade cultural,
tão vasta e diversificada parece ser – e é – a amplitude de possibilidades da
interpretação astrológica, quando ela se debruça sobre o que foi cocausado pela
teia do mundo, seja evento, coisa ou pessoa.
Sendo assim, e visto isso
tudo, pouco parece haver de genuíno interesse e valia se o foco de escrutínio,
compreensão e descrição não se direcionar ao entendimento da mente e seus
efeitos, conscientes e ou inconscientes, individuais e ou coletivos.
Por meio da interpretação
de símbolos, sempre símbolos arquetípicos da teia do mundo e, não, indicadores
de “forças siderais” inclinantes ou determinantes, motivo pelo qual o ser
humano árabe ou indiano ou centro-europeu, ou nórdico, termina sendo descrito
por um peculiar conjunto simbólico que a ele se aplica por correlação cultural,
embora todos os outros se apliquem também, e com igual validade, cada qual
segundo sua origem, desde que bem estabelecidos, e invariantes, os nexos de
significado necessários à correta interpretação do que se vislumbra da teia do
mundo e seus efeitos a partir dos símbolos utilizados.
Que paradoxo! Muitos
astrólogos, esotéricos que se dizem ser, abraçam uma postura mecanicista ao
julgarem o que ocorre ser “energia”, quando a Física de Partículas indica as
causas primeiras como imateriais e não energéticas: são probabilidades
quânticas, ainda não energia, ainda não matéria.
O que lhes falta para arriscarem
a olhar fora da caixa e admirarem a teia do mundo?
Astrologia é espaço
virtual de síntese, dizia ao começar.
Síntese que só se dá com a
análise, como sabemos (embora a síntese intuitiva, que dela aqui não foi
falado, prescinda do analítico, mas aí não falamos de Astrologia e, sim, de
outro tipo de percepção e entendimento, inato e não ensinável).
Como tal, é relacional.
Quer se refira à relação interna de si consigo, quer diga respeito ao relacionamento
de si com o outro e ou outros, e caracterizada pelo ambiente macro ou micro,
sociofamiliar, em que a pessoa atua ou sofre ações.
Obrigando que a pessoa
seja vista como sujeito histórico individual e social, motivo pelo qual, sem um
amplo olhar que, de fato, seja um metaolhar, pairando sobre o conjunto de
diferentes ângulos de visão, a pessoa não é compreendida em sua riqueza de
facetas.
Nem a Astrologia consegue
endereçar as melhores questões ou oferecer as mais completas composições
narrativas de descrição.
Se a Astrologia articula e
integra diferentes pontos de vista (lembrando que cada ponto de vista é apenas
a vista a partir de um ponto), o corporal, o emocional, o mental e o social,
vale dizer o econômico e o cultural, são mais bem compreendidos pela
interpretação adequada dos símbolos da teia do mundo, e esta adequação requer
foco na compreensão da mente de quem consulta, e na de outras pessoas às quais
o consulente se relaciona, e no estado da mente coletiva, e no conjunto de
outros símbolos ou arranjos simbólicos que as culturas, astrológica e geral,
apresentam.
Por isso, está no texto de
Fernando Pessoa que escolhemos para relembrar como texto-guia em nosso site, merecendo incessante
rememoração: “a inteligência analisa, decompõe, ordena, reconstrói
noutro nível o símbolo. Um dos fins da inteligência no exame dos símbolos é o
de relacionar no alto o que está de acordo com a relação que está embaixo.
Então, a inteligência, de discursiva que naturalmente é, se tornará analógica,
e o símbolo poderá ser interpretado. (Outro fator é a) compreensão,
entendendo por esta palavra o conhecimento de outras matérias, que permitem que
o símbolo seja iluminado por várias luzes, relacionado com vários outros
símbolos, pois que, no fundo, é tudo o mesmo. Não direi erudição, como poderia ter
dito, pois a erudição é uma soma. Nem direi cultura, pois a cultura é uma
síntese e a compreensão é uma vida. Assim, certos símbolos não podem ser bem
entendidos se não houver antes, ou no mesmo tempo, o entendimento de símbolos
diferentes”.
No espaço virtual de
síntese que o exercício da Astrologia propicia, os múltiplos significados dos
símbolos astrológicos, correlacionados ao ambiente e época da pessoa ou coisa
ou evento que é alvo de estudo, compõem e oferecem um dos mais fecundos
sistemas existentes de diagnóstico e ou prognóstico da realidade pessoal,
relacional e sociocultural, emergido da teia do mundo.
Porque, como disse Jung,
“lentamente o futuro vai saindo de nós mesmos”, o que aqui nos aproxima, uma
vez mais, da busca de entendimento da mente, cada e toda mente, em seus níveis
mais determinantes, sejam individuais, relacionais ou coletivos, brotados da
teia do mundo.
Não dá para ser
verdadeiramente astrólogo sem intenção de estudo e debate, para poder ir além
da memorização de regras, detalhes e descrições.
Quando não há esta
atitude, e tem de ser genuína, o espaço virtual se nega a se abrir e a teia do
mundo não se revela.
Nenhum comentário:
Postar um comentário