Uma
das características mais fascinantes – e intrigantes – da Astrologia é o fato
de ela poder, com a mesma simbólica, se aplicar a variadas esferas da realidade,
conforme o foco do interesse e a interpretação dos símbolos.
Assim,
entre outras possibilidades, ela auxilia no diagnóstico ou prognóstico em nível
pessoal (Astrologia Clínica psicológica ou médica), de negócios (Astrologia
Empresarial), de inter-relacionamentos pessoais (Astrologia Sinástrica), de
tendências de eventos (Astrologia Horária) ou de dinâmicas em nível muito mais amplo,
por meio da especialidade intitulada Astrologia Mundial, ou Coletiva.
Astrologia Arquetípica
entrevistou, a este respeito, o astrólogo, escritor, editor e historiador Rui
Sá Silva Barros*.
AA
- O que caracteriza (e diferencia) a Astrologia
Mundial, ou Coletiva, no conjunto das variadas especialidades astrológicas?
Rui Barros: A Astrologia Mundial trata de entes coletivos ou
jurídicos, como países, regiões e cidades. Pode estudar períodos da História
política, econômica ou cultural. Para isso, Usa cartas natais, utiliza Trânsitos
ou Progressões e considera ingressos solares e eclipses, como em geral se faz
com Cartas natais pessoais. Atualmente a Astrologia Mundial lida com fenômenos bastante
abrangentes, como a economia mundial e guerras generalizadas, e isto é um
problema, pois muitas vezes não temos dados mais precisos para o levantamento
dos Mapas e a boa definição dos eventos. Um exemplo recente: para compreender o
que se passa na Ucrânia é preciso consultar as Cartas da Rússia, União Europeia
e EUA, além da própria Ucrânia, é claro. O Índice Cíclico Planetário, de André
Barbault, com base nos cinco Planetas lentos (Júpiter, Saturno, Urano, Netuno e
Plutão), oferece um indicativo razoável de momentos de crise, mas é insuficiente
para discernirmos de qual crise se trata e exatamente onde vai ocorrer. A
sinastria entre Mapas de países também é possível.
AA – As bases da
Astrologia Mundial também vêm dos babilônios, como a Astrologia mais costumeira
que conhecemos?
Rui Barros: Sim. Durante dois mil
anos os mesopotâmicos anotaram os presságios astrológicos para guerras,
meteorologia, ascensão e queda de reis. Davam grande importância à Lua, sua
cor, luminosidade, halos e manchas. Não havia ainda um sistema de Casas
astrológicas e o ciclo de Júpiter, de 12 anos, era acompanhado com detalhes. O
primeiro Mapa individual foi feito perto do começo da Era cristã é já apresentava
o Ascendente, mas, não, o Sistema de Casas. No site do Instituto
Warburg, associado à
Universidade de Londres, é possível encontrar muito material sobre o tema. A Astrologia
que praticamos atualmente, com Elementos, Planetas regentes ou exaltados, Sistemas
de Casas, etc, é uma herança grega e árabe. Na Antiguidade, a Astrologia era
parte da Cosmologia, do saber dos mundos e da qualificação do tempo, e no Século
VI antes de Cristo ela se tornou um saber especializado vendido em praça pública.
AA – O axioma
convencional supõe que os diferentes corpos celestes influenciam, cada qual de
uma maneira, o comportamento pessoal ou os eventos na vida de alguém. Como isto
é visto na Astrologia Mundial, no tocante aos fenômenos na esfera coletiva?
Rui Barros: O problema é o mesmo para qualquer ramo da Astrologia. Eu pessoalmente
não penso que gravidade ou eletromagnetismo expliquem o funcionamento da
Astrologia; o problema é metafísico, isto é, além da Física. É uma questão que
remete à constituição do ser humano e suas partes sutis, não sensoriais. Mas o
tema é paradoxal, pois a localização espacial dos Planetas é essencial para a
prática dos Trânsitos, o que nos remete a problemas espinhosos: por exemplo, como
um Planeta pode em algum momento estimular uma configuração que já não existe
no céu? Minhas pesquisas revelaram graus de determinação da Astrologia Mundial:
ela é forte em Economia, média em Política, ou organização de conflitos, e
fraca na avaliação da Cultura, que depende demais de iniciativas individuais.
Quanto ao determinismo total, isto fica para os felizes portadores de TOC, que escolhem
assassinar a dúvida!
AA – A mais usual forma de utilização do saber
astrológico é a orientada para diagnosticar ou prognosticar o comportamento de
alguém e os eventos objetivos e subjetivos em sua vida. Neste sentido, pode ser
dito que a Astrologia Mundial se orienta para compreender os movimentos de cada
coletividade humana, como sob um “espírito do tempo”, ou zeitgeist?
Rui Barros: Temos aqui o tema das periodizações, e há várias registradas pela Historiografia,
dependendo do assunto em tela. Em Astrologia podemos tomar um par de Planetas e
acompanhar todo o ciclo entre uma Conjunção e a seguinte. Exemplificando, na
Antiguidade, os astrólogos usaram muito o ciclo de 20 anos de Júpiter e Saturno,
o mais longo, para eles, e notaram que a cada 200 anos as Conjunções entre
estes Planetas caíam em Signos de um mesmo Elemento, Ar, Terra, Ar e Água, o
que acaba formando um grande ciclo de 800 anos. Mas a Historiografia não
conhece nenhuma periodização de 200 anos, do ponto de vista sociocultural, a
não ser nos estilos arquitetônicos europeus: românico (terra), gótico (ar),
renascentista (água) e barroco/clássico (fogo). Alguns tentam relacionar o
ciclo de Júpiter e Saturno à história do capitalismo, mas eu acho isto desarrazoado.
Estes Planetas se encontram há bilhões de anos e, de repente, produzem algo
novo? Como com somente um par de Planetas não se faz muita coisa, esta
afirmação soa bastante artificial.
AA – Como se inter-relacionam, na Astrologia Mundial, o
que se sabe de um coletivo e de cada um de seus componentes? Digamos: um País e
seus diferentes Estados?
Rui Barros: Os Municípios têm sua própria Carta natal, definida pelo que consideram ser
as suas datas de fundação legal. No caso brasileiro, salvo exceções (Mato
Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Tocantins), a questão dos Estados é mais
complicada, pois todos foram estabelecidos de uma só vez pela Constituição de
1891. O caso do Brasil é interessante, pois em alguns aspectos o Governo
Federal é centralizador, mas há muito espaço para os governadores. Já os Municípios,
vivem de pires na mão desde os tempos coloniais. A relação entre o Estado
central (União) e os entes federados (Estados) pode ser pesquisada nas casas X
e II do Mapa natal do país. Porque a Casa II? Ela é a quinta Casa a contar da Casa
X, por derivação.
Rui Barros: Estamos vivendo uma fase crítica na vida humana e a Astrologia Mundial
pode ser muito útil nesta conjuntura, ajudando a evitar o triunfo da barbárie.
AA – Os significados usuais das Casas astrológicas, em uma Carta natal,
costumam se referir a identidade, valores, comunicação, lar infantil, filhos,
etc. E na Astrologia Mundial, de modo resumido, como se estabelece a analogia
das Casas?
Rui Barros: São os mesmos princípios e conceitos usados para os Mapas individuais,
adaptados para os países. Numa pessoa, o Ascendente revela características do
corpo e da aparência; então, num país isto se traduz pelo tamanho e características
do território e população. A Casa II simboliza que recursos são usados na
produção e sua magnitude (PIB). A Casa III denota a vizinhança (outros países),
a comunicação, o ensino básico, a imprensa, o comércio varejista. E assim por
diante. Tudo o que se refere ao Governo é visto a partir da Casa X, por
derivação: assim, se a tendência à intensa centralização, no Brasil, é
relacionada com a oposição entre Marte e Saturno na Carta natal brasileira, os
recursos estão na Casa XI, que é a Casa II derivada da Casa X, os funcionários
públicos são denotados na Casa III do Mapa natal, que é a sexta Casa a contar
da Casa X, e assim por diante. Os manuais de Astrologia que tratam do assunto
precisam ser atualizados, pois no mundo moderno e contemporâneo a divisão de
trabalho criou inúmeras especializações de processos e instituições. Para
maiores detalhes, sugiro a Introdução do livro A contente
mãe gentil rumo ao bicentenário.
AA – Assim como na Astrologia voltada à Carta natal, na
Astrologia Mundial trabalham-se também os Zodíacos Tropical e Sideral, que
divergem entre si?
Rui Barros: No Ocidente trabalhamos com a Astrologia Tropical, mas eu costumo observar
o deslocamento retrógrado do Ponto vernal para longos períodos e momentos de
grande transformação. Por exemplo, a Revolução Industrial multiplicou a
população humana e transformou o meio ambiente do planeta. Isto não pode se
explicado somente pelo jogo planetário que se repete periodicamente, pois da
repetição de um mesmo fato não pode sair coisa diferente. É consenso que a
decolagem desta Revolução deu-se na década de 1780, época em que o Ponto vernal
passou para o primeiro Decanato de Peixes e, agora, para a maioria dos
astrólogos védicos, já está a 6 graus. Por estes cálculos, o triunfo do
Cristianismo no Século IV, na época de Constantino, marca a passagem do Ponto
vernal de Áries para Peixes. Já o acompanhamento dos desdobramentos da
Revolução Industrial pode ser feito através dos Planetas: a conjunção de Urano
e Netuno em 1821 marca a descoberta da indução eletromagnética, base de todos
os nossos aparelhos atuais; a Conjunção de Netuno e Plutão, em 1891, marca a
segunda fase da Revolução (petróleo, eletricidade, aço, química, máquinas
etc.).
AA – É comum, em Astrologia
Mundial, ouvir-se expressões como: “este país é regido por tal ou tal planeta”.
Como se estipulam estas Dignidades, no caso de Regiões, Países, Estados ou
Municípios?
Na Idade Média era comum atribuir-se
um Signo para cada região ou reino, mas isto é uma simplificação total. No caso
do Brasil, por exemplo, é preciso mencionar Aquário, Touro, Gêmeos, Virgem e
Escorpião, além de Saturno, Mercúrio e Marte, para começar a soletrar
características fundamentais. Verificamos, na Astrologia Mundial, uma tendência
vinda da indústria do entretenimento, que é a de simplificar e nivelar por
baixo. Assim, nas eleições ainda levantam Mapas de candidatos como se isto
fosse uma corrida entre pessoas! É claro que não, há fatores coletivos em jogo
e que podem ser seguidos no Mapa natal do país. Falta uma metodologia de verificação, do que
resulta uma proliferação de “eu acho”, originando uma cacofonia. Estamos
vivendo uma fase crítica na vida humana e a Astrologia Mundial pode ser muito
útil nesta conjuntura, ajudando a evitar o triunfo da barbárie.
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* Rui Sá
Silva Barros publicou ‘O espelho partido’ (SP, Ágora, 1989). Defendeu a
Dissertação de Mestrado “Tomando o céu de assalto. Esoterismo, Ciência e
Sociedade” (USP, 1999) encontrável na biblioteca do site Clube do Tarô. Lançou,
em coautoria com Ciça Bueno, “A contente mãe gentil rumo ao bicentenário. Volume
1: Império”, encontrável em www.clubedeautores.com.br (2013). Escreve crônicas mensais no site www.clubedotaro.com.br