Em junho de 2015 fui contatado pela
revista Glamour (Editora Globo), que informou estar preparando uma matéria
sobre Astrologia para sua edição de julho.
Raras vezes me disponho a dar
depoimentos sobre Astrologia a publicações de variedades, dado o tipo de
tratamento editorial que por costume se adota, indo da banalização de
informações ao propósito mal disfarçado de tratá-la como superstição.
Todavia, ao receber questões
inteligentes e instigantes, pareceu-me poder ser diferente.
Vã esperança. Como o que respondi por
escrito (e-mail) foi remontado, por quem redigiu a matéria, de modo a que a
justaposição de frases descontextualizadas originasse um raciocínio
estruturado para reforçar a intenção editorial implícita do texto – “Astrologia
é superstição ilusória” –, pareceu-me bom publicar aqui, para quem queira
conhecer, as questões enviadas a mim e o que de fato respondi.
Seria
insano que, após 30 anos continuados de estudo de Astrologia, e com cinco livros
editados sobre o tema, eu tivesse apequenado a riqueza de conhecimentos
oferecida pela Astrologia como “um recurso para manter a autoimagem positiva”.
1. Como você vê a relação entre signos e personalidade?
Embora nos inclinemos
a supor que somos “únicos”, em verdade somos mesclas particularizadas de certas
características comuns a todos (relativamente poucas e mais ou menos as mesmas
em tipo, variando a intensidade) e próprias da espécie humana (falo de emoções
e sentimentos, que nos caracterizam mais do que os pensamentos).
A simbologia astrológica – Signos, Planetas,
Aspectos (ou ângulos geométricos entre os fatores) e Casas astrológicas –
permite identificar quais destas características são predominantes em cada
pessoa, em sua fórmula pessoal muito peculiar e própria de combinação, e esta
indicação é dada pela Carta natal astrológica, também chamada de Horóscopo.
Com poucos símbolos,
não mais de 40 (12 Signos, 10 Planetas, 5 ou 6 Aspectos e 12 Casas
astrológicas), quando combinados fatorialmente é possível identificar milhões
de arranjos simbólicos diferentes, razão pela qual a descrição em detalhes de
cada caso particular é possível e a Astrologia, enquanto recurso de
diagnóstico, pode ir mais profundo e minucioso do que as generalizações que
dominam o senso comum sobre ela.
A interpretação de
uma Carta natal astrológica, pela associação de seus símbolos a noções
derivadas das principais Escolas de Psicologia (freudiana, junguiana,
transpessoais, etc), permite identificar o que costumo chamar de “traços
estruturais de personalidade”, aqueles que são tipológicos e originários da
pessoa, e “traços conjunturais de personalidade”, aqueles que decorrem de
condicionamento por exposição a estimulação ambiental precoce (pré-natal,
perinatal e infantil).
Em resultado,
diagnostica-se a pessoa como um todo, em seus principais atributos de
personalidade (tipológicos e ou condicionados), bem como as dificuldades, os
conflitos e os potenciais íntimos e ou manifestados.
2. Você acha que o mapa
astral pode ser útil de alguma maneira na terapia?
Sem dúvida e em dois
aspectos complementares, como descrevo em dois dos meus livros: Astrologia clínica, um recurso de
autoconhecimento (1991) e Astrologia
arquetípica e comportamento, de Ptolomeu a Jung na teia do mundo (2015).
O primeiro aspecto
diz respeito à possibilidade de utilizar técnicas adequadas de interpretação
astrológica como recurso psicodiagnóstico, para encaminhar questões em
psicoterapia: quais as principais áreas internas pessoais de conflito (das
quais costumam decorrer os conflitos externos), qual a causa destes conflitos
(no tocante a características originárias de personalidade versus modelagem por
pressões ambientais precoces) e quais potenciais podem ser terapeuticamente
convocados para dissolver bloqueios e enriquecer o desenvolvimento pessoal.
Em ao menos oito áreas distintas de experiência
vital: afetivo-relacional,
intelectual-cognitiva, relação com bens e finanças, relação com casamento ou
sociedade, relação com trabalho, religiosidade-espiritualidade,
sexualidade-sensualidade e sociabilidade.
O segundo aspecto diz respeito ao que
será abordado na próxima questão, pois facilita ao profissional de psicoterapia
compreender com mais clareza quais conteúdos mentais, sejam conceituais ou
sentimentais, e conflitivos ou não, estarão mais aflorados, ou exacerbados, em
cada época da vida da pessoa, propiciando sua abordagem e bom encaminhamento
terapêutico.
Em outras palavras, facilita ao
psicoterapeuta apurar o foco das intervenções, bem como calibrar a intensidade
de tais intervenções, almejando obter ressignificações e catarses
transformadoras.
3. E a porção “previsão” da astrologia, como funciona para a psicologia?
Para entender melhor,
e adequadamente, esta possibilidade técnica da Astrologia, é necessário admitir
que:
a. os símbolos astrológicos denotam
quais componentes psicodinâmicos se combinam em uma particular psique, e em que
tipo e intensidade de combinação (eliciando certos, e não outros, sentimentos e
ou pensamentos);
b. as expressões mais características
da personalidade de alguém costumam se mesclar com eventos ambientais que
ocorrem em sincronicidade e expõem significados análogos (complementares ou
especulares, de “espelho”) ao que “dentro” se passa.
Admitindo isto,
então, e podendo antecipar quais arranjos simbólicos astrológicos estarão
ocorrendo a cada dado instante, pode-se prognosticar, com grande margem de
acerto, quais vivências internas (em qualidade e intensidade) e experiências
externas (em categoria experiencial) estarão ocorrendo a cada instante dado de
tempo.
Visto assim, o que
parece “previsão de futuro” é apenas a detecção de determinadas configurações
mentais que predominarão em certo momento do futuro, e as categorias de
ocorrências ambientais que, em sincronicidade, se combinarão com os conteúdos
destas configurações mentais, propiciando sua melhor expressão.
4. Como um terapeuta pode usar astrologia para contribuir no tratamento,
na prática?
Creio que foi
respondido na questão 2. Sobre isto, penso ser necessário salientar um aspecto
essencial da relação entre Astrologia e Psicologia: astrólogo não é terapeuta.
Em certos casos, até pode haver superposição de preparos na mesma pessoa, mas
por costume o astrólogo não detém o amplo leque de conhecimentos teóricos e
técnicos necessários ao bom atendimento terapêutico, seja terapia profunda ou
terapia breve, algo que somente por graduação (psicólogo) ou especialização
(psiquiatra) se desenvolve.
Neste sentido,
compete ao astrólogo, no máximo e se tiver preparo para isto, dar algum
aconselhamento (até indicando que se faça terapia com profissional gabaritado),
mais se aproximando do coaching do que da psicoterapia.
De outro lado, entre
psicoterapeutas ainda há bastante desconhecimento das possibilidades
psicodiagnósticas da Astrologia e, portanto, do quanto o seu ofício poderia ser
enriquecido, na fase de diagnóstico, em benefício dos próprios pacientes.
5. Acreditar em horóscopo: faz bem ou mal? Qual o limite?
O limite é o do bom
senso.
Se a pergunta refere
o que se costuma ver em veículos de comunicação de massa (horóscopos de jornal
ou revista, por exemplo), são generalizações para médias humanas e, como tal,
insuficientes para aplicar-se com mais propriedade a qualquer pessoa em
particular.
São como que
descrições banalizadas das dinâmicas mais comuns da mente humana e, como tal,
referentes a experiências vitais mais corriqueiras em todo mundo, apenas
podendo ganhando maior ou menor realce em uma particular pessoa.
6. Um psicólogo que use a astrologia: como isso é regularizado,
comunicado etc?
Ignoro como isto
ocorre em outros países, mas no Brasil os Conselhos profissionais de Psicologia
(Federal e Estaduais) não reconhecem a Astrologia como prática válida e aceita
entre os recursos de psicoterapia reconhecidas legalmente.
Por esta razão, os
psicólogos que utilizam os conhecimentos da Astrologia, sendo astrólogos ou
lançando mão do trabalho de astrólogos profissionais, costumam não divulgar
publicamente tal fato para não sofrer sanções.
Seria como a relação
entre Medicina e curandeirismo: se um médico lançar mão de algum recurso de
cura “natural” não reconhecido pelo Conselho Federal ou Regional de Medicina,
mesmo tendo resultados positivos provavelmente ele não divulgará o fato.
Mas vale lembrar o que o
antropólogo, sociólogo e filósofo Edgar Morin, um dos mais brilhantes pensadores
dos finais do Século XX, afirmou em seu livro Ciência com consciência que “a ciência é, e continua a ser, uma
aventura. A verdade da ciência não está unicamente na capitalização das
verdades adquiridas, na verificação das teorias conhecidas, mas no caráter
aberto de aventura que permite, melhor dizendo, que hoje exige a contestação
das suas próprias estruturas de pensamento. Talvez estejamos num momento
crítico em que o próprio conceito de ciência se esteja modificando”.
Sendo assim, as
fronteiras entre profissões estão cada vez menos bem definidas e mesmo as
características típicas de cada ofício estão mudando muito rapidamente, e
talvez estejamos chegando num momento em que a Astrologia possa ser aceita como
técnica de diagnóstico e prognóstico (por análise de tendências) da realidade,
como proponho no livro Por uma Filosofia
da Astrologia (2014).
7. As descrições dos signos e as previsões não são comumente muito
genéricas e se encaixam em qualquer personalidade?
Depende de a qual
nível de informação está se referindo.
Se a questão diz
respeito às seções de Astrologia em veículos de comunicação de massa,
certamente sim (embora em “quase qualquer” e, não, “qualquer personalidade”), e
isto vimos na resposta à questão 5.
Se a questão diz
respeito à interpretação que um profissional bem preparado é capaz de fazer,
não, principalmente porque ele não interpretará o Signo isoladamente, mas no
conjunto de muitos fatores-símbolo da Carta natal astrológica individual: toda
pessoa, como todo fenômeno complexo, é multideterminado. E o Signo é apenas um
dos fatores-símbolo de determinação; embora fundamental, há tonalizações.
A prática mostra
haver arianos e arianos, ou taurinas e taurinas: para mais bem defini-los não
basta ser de Áries ou Touro, há que ver o restante da Carta natal. Todavia, há
traços específicos que diferenciam a ariana da taurina, por exemplo, assim como
por mais que duas pessoas humanas sejam diferentes entre si, elas são
extremamente parecidas, quando em comparação com um animal de outra espécie.
8. Li sobre o mecanismo chamado de Efeito Forer, de encaixar as
descrições de acordo com o que “interessa” e ignorar o que não casa com seu
perfil. Como isso funciona?
Por mais que se julgue
ou busque ser racional ou isento, todos temos vieses cognitivos que interferem
de modo poderoso na leitura que fazemos do mundo, dos outros e de nós mesmos no
mundo.
Entre eles, está o de
nos inclinarmos a valorizar o que dizem ser o melhor em nós mesmos, segundo o
que julgamos ser positivo, bem como a minimizar o que dizem ser o pior em nós
mesmos, segundo o que avaliamos ser negativo: trata-se de manter uma autoimagem
positiva, tão necessária para a mente como manter uma boa saúde é para o corpo.
Além disso, temos forte
inclinação a validar descrições genéricas como se dissessem diretamente
respeito a nós, nos influenciando com isto e tendendo a aceitar afirmações
sobre nós em função do nosso desejo de que as afirmações sejam verdadeiras,
mais do que em função da exatidão empírica das afirmações, se avaliadas objetivamente.
Esta característica
humana de “autoconvencimento” também talvez esteja por detrás do chamado
“efeito placebo”, quando pílulas sem efeito medicinal algum são utilizadas em
experimentos científicos e inexplicavelmente fazem com que certos pacientes se
sintam melhor: “o médico disse que este remédio é bom!”.
Bertrand Forer foi um
psicólogo norte-americano que, na década de 40 (buscando contrapor-se aos
estudos sobre paranormalidade, então em curso) estudou e mensurou este aspecto
humano de “autoconvencimento”, denominando-o “validação subjetiva”.
Tal fato, entretanto,
não diz respeito apenas a afirmações de astrólogos, de cartomantes ou de
praticantes de outras técnicas convencionalmente chamadas “divinatórias”: esta
característica humana é aproveitada por todos aqueles que pretendam manipular
opiniões das pessoas sobre si mesmas.
Por isso, para a
Astrologia vir a ser aceita como recurso útil de diagnóstico da realidade
mental, ela deverá ser, de alguma forma, validada mediante a mensuração objetiva
de suas afirmações sobre alguém, mesmo que subjetivas, o que já é possível com
procedimentos de avaliação psicodinâmica como o das Manchas de Rorschach.
Mas isto deverá vir no
futuro, ainda não ocorre...
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