Em pleno 2017, ainda me espanta o quanto as
pessoas relutam em admitir que a Astrologia não diz respeito a “energias
cósmicas” e, sim, a alguma outra coisa.
Esta relutância é tão acentuada, e sua base se
assenta em tão desesperada necessidade de atribuir expressão matemática, ou “científica”,
à mera superstição sobre “energias planetárias”, que a capacidade humana de
inteligência sucumbe: em momentos assim, falta a muita gente um mínimo de bom-senso
para ver de imediato quão impossíveis são os supostos fatos que são oferecidos
como um prato feito...
Aqueles que se interessam por Astrologia, quer como quase
todo mundo, por acreditar ser algo “místico” e gerador de curiosidade, quer como estudiosos ou, até,
profissionais, têm sido impactados neste começo de 2017 com informação
sobre “um fato astronômico raro, de grande importância astrológica”: o “Período
de Todos os Planetas em Movimento Direto”, entre 08 de janeiro e 6 de fevereiro
deste ano.
Segundo esta informação, divulgada mundialmente pelo site
“The Mind Unleashed”, um espaço virtual que já suscitou alertas em muitos
países sobre a reduzida credibilidade do que lá é publicado, “agora, aqui neste momento, de nossa visão
geocêntrica, todo o nosso Sistema Solar está se movendo junto na mesma direção,
fluindo como UM no rio cósmico, todos viajando na mesma direção. Da posição do
Sol ou da perspectiva da Terra, Todos os Planetas em Movimento Direto
representam uma passagem agrupada orgânica, holística, síncrona e harmoniosa
através do Universo”.
Tudo isto que foi dito não quer dizer nada, absolutamente nada, senão uma coleção
de clichês e frases de efeito, e o que mais incomoda é que baboseiras deste
tipo, despreocupadamente replicadas no Facebook (https://www.facebook.com/events/276761872739069/)
ou por meio de outros sites, nacionais e ou estrangeiros, mantêm o descrédito na seriedade
possível da Astrologia e desestimulam o avanço de bons estudos dedicados a
compreender melhor as razões de sua eficácia.
(Ou, se preferir ler em português o texto publicado no "The mind unleashed", veja aqui: https://portal2013br.wordpress.com/2017/01/06/astrologia-rara-de-7-de-janeiro-a-6-de-fevereiro-de-2017-todos-os-planetas-estao-se-movendo-diretamente/)
Que a Astrologia funciona (quando praticada de modo
competente), não há dúvida; o que a faz funcionar, porém, é o que resta
entender melhor – mas como avançar, enquanto se continuar acreditando nesta
superstição sobre as tais “energias planetárias”?
Vamos ver a notícia.
Diz ela: “agora, aqui
neste momento, todo o sistema solar está se movendo junto na mesma direção”.
Ora... isto: “se movendo
junto na mesma direção”, ocorre desde o surgimento do sistema solar, já que
o sistema solar se desloca no cosmo acompanhando a trajetória do Sol, em
direção ao local cósmico onde hoje se vê a estrela Vega. Quando o Sol se se
desloca, todos os planetas vão “junto e em bloco”, já que orbitam em torno dele
e não há alternativa senão irem “na mesma
direção”.
Digo assim: “hoje se vê”, porque daqui a centenas de milhares
de anos, quando o Sol chegar naquele local do cosmo, a estrela Vega não mais lá
estará, pois, por sua vez, terá também se movido.
Já, pela afirmação: “de
nossa visão geocêntrica, todo o nosso Sistema Solar está se movendo junto na
mesma direção”, alguém menos atento poderia também crer que a notícia
informa que, do ponto de vista da Terra, todos os planetas e cada um deles estão
se deslocando em uma mesma direção – e isto, certamente não ocorre.
Veja na ilustração abaixo como cada planeta se move em uma diferente
direção todo o tempo, seja qual for o ponto de vista, sendo que apenas
a força gravitacional do Sol (e outras forças cósmicas, em combinação) é que
mantém os planetas orbitando em torno a ele e, por isso, compondo um “sistema”.
Como se percebe com grande facilidade, caso num passe de
mágica o Sol desaparecesse, e sumisse o que mantém os planetas orbitando em
torno de um ponto (o Sol), cada planeta se deslocaria obedecendo um próprio
vetor (as setas), indo cada um para um local distinto no cosmo, de modo completamente
harmonioso com as forças da natureza cósmica.
A notícia vai além e informa: “da posição do Sol ou da perspectiva da Terra, Todos os Planetas em
Movimento Direto representam uma passagem agrupada orgânica, holística,
síncrona e harmoniosa através do Universo”.
O que é um absurdo, tanto do ponto de vista astrológico quanto
do astronômico, embora seja bem bonitinho pensar assim.
Astrologicamente, não há como conciliar a posição do Sol e a
perspectiva da Terra em se tratando de questões associadas ao Zodíaco, já que
os planetas e os Signos só têm sentido simbólico quando são pensados a partir da
perspectiva da Terra, isto é, geocêntrica. Afinal, o Zodíaco não tem existência
natural e é fruto de imaginação humana: fora da mente humana, ele não existe.
Astronomicamente, ou “da
posição do Sol”, não cabe falar em movimento retrógrado, isto é, não
direto, pois só se pode falar de movimento retrógrado quando falamos do ponto
de vista da Terra, na medida em que a chamada retrogradação dos planetas é
fenômeno análogo à ilusão de óptica e, não, fenômeno com existência física,
objetiva.
Para
lembrar a quem conhece, ou explicar sucintamente a quem não sabe, a
retrogradação é o fato de os planetas, apenas do ponto de vista da Terra,
“parecerem andar em marcha a ré” sobre o Zodíaco em certas épocas (embora não o
façam de fato, já que seguem continuadamente em suas órbitas).
Como
todos os corpos siderais estão em incessante movimento, uns em relação aos
outros e em órbitas diferentes, enquanto o Zodíaco permanece imóvel sobre a
Eclíptica (faixa do céu na qual, do ponto de vista da Terra, o Sol parece
transitar), há períodos variáveis e matematicamente previsíveis na mecânica
celeste em que este ou aquele planeta, cuja órbita se relaciona à órbita da
Terra pela Eclíptica, “parece” ir cessando seu movimento regular de avanço
sobre o Zodíaco, parar e retroceder, isto é, retrogradar, até deter o próprio retrocesso
e voltar a avançar.
Mas,
de fato, os planetas não se movimentam nunca “para trás” e sua retrogradação é pura
ilusão de óptica (em verdade, logarítmica), em sua trajetória zodiacal estabelecida
do ponto de vista da Terra.
Veja
no exemplo abaixo como se dá a aparente retrogradação: se visto da Terra, em
nove posições sucessivas o planeta Mercúrio parece avançar do início do Signo de
Libra para o início do Signo de Escorpião e, a seguir, retrogradar até quase meados
do Signo de Virgem para, mais à frente, voltar a avançar rumo a Virgem e,
depois, Escorpião.
Tudo
ilusão, só ilusão de óptica (ou logarítmica), e ilusão não emite energia, seja
que energia for.
A
notícia diz: “O TPMD é considerado um tempo em que o Universo está no estado de ordem
natural com todos os planetas viajando para frente”.
Ora,
pergunta-se: e quando é que o universo não está em estado de ordem natural?
Apenas, a nosso ver, o humano, quando ocorre uma hecatombe.
E,
mesmo assim, um acidente natural de imensas proporções, o universo continua na sua ordem natural, embora possa não ser a
ordem que nós, pessoas, gostaríamos.
Pense
em um tsunami.
Do
ponto de vista das populações atingidas, foi uma catástrofe e uma subversão da “ordem
natural das coisas”. Do ponto de vista do universo, porém, foi apenas uma sequência
perfeitamente natural e ordenada de fatos: uma placa tectônica suboceânica se
moveu e ocasionou um terremoto marinho, este terremoto deslocou descomunais
massas de água de baixo para cima, estas massas originaram ondas imensas ao se
deslocarem pela superfície do mar (de acordo com princípios físicos naturais) e, a seguir, afogaram (pela água) e destruíram (pelo
impacto físico) dezenas de quilômetros quadrados de vegetação, vida animal e civilização
em algum lugar. Logo após, como se nada tivesse ocorrido, a água escorreu para
dentro da terra e para rios ou lagos, ou voltou para o mar, tudo natural, tudo
como a natureza é, tudo seguindo sua ordem natural.
Mas
a notícia diz também: “O momento auspicioso do TPMD de 2017 é recomendado
pelos astrólogos para fusões bem sucedidas, casamentos, grandes aquisições,
eventos de caridade, operações físicas, inaugurações, lançamento de um novo negócio,
surgimento de um novo líder e qualquer outra coisa que se deseja um resultado
positivo”.
Ôpa!
Isto é bacana!
Não,
porque alguma suposta “energia dos planetas” que não retrogradam causará algo, já
que isto não ocorre, mas pelo fato de que, segundo a notícia, “os antigos interpretavam isto como um momento de grande
fortuna e um tempo muito positivo”.
Em
outras palavras (supondo ser verdade a afirmação de que esta interpretação de
um TPMD é “antiga”, já que a matéria informa que a astróloga Stephanie Forest é pioneira
em escrever sobre este tipo de ocorrência astrológica), há muito se verifica,
durante a duração deste específico conjunto simbólico (“todos os planetas em
movimento direto, sem nenhum retrogradando”), ser um tempo auspicioso e
favorável a certos tipos de acontecimento (embora “qualquer outra coisa que se deseja um
resultado positivo”, já que fala de tudo, não diz de nada
específico).
Isto,
é o que interessa saber: o que é que faz com que certas disposições simbólicas
na Astrologia denotem exatamente “isto” e, não, “aquilo”?
Se
sabemos que não se trata de “energias dos planetas”, de que se trata, então?
Por
que “isto” (um certo conjunto simbólico) indica exatamente “aquilo” (uma certa sucessão
de fatos ou ocorrências) e confere eficácia à Astrologia?
Aí,
sim, merece estudo e pesquisa, para os quais, pesquisar e estudar, a primeira
coisa é admitir que na verdade ainda não se sabe, atitude intelectual humilde
que só é possível quando alguém se decide por abrir mão de noções
supersticiosas que parecem explicar.
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