Em
uma palestra no XXI Simpósio Nacional e XII
Internacional de Astrologia do SINARJ – Sindicato dos Astrólogos do Rio de
Janeiro, realizado em outubro de 2019, importante profissional de Astrologia afirmou:
“Quando os planetas se aproximam, eles
desequilibram o sistema solar. Por que? Porque sai do centro. O centro do
sistema descentraliza e isto desequilibra e causa problemas para a Humanidade”.
Debatia-se
Astrologia Mundial e as Conjunções zodiacais simultâneas e mútuas que
ocorreriam em 2020 entre Júpiter, Saturno e Plutão no final do Signo de Capricórnio,
e os efeitos que isto teria sobre os fenômenos no planeta Terra e na
Humanidade. Daí, falar-se, e deste jeito, em “aproximação entre os Planetas”.
Vou
por enquanto deter-me apenas na primeira oração do que foi dito: “Quando os planetas se aproximam, eles
desequilibram o sistema solar”.
O
que a afirmação busca explicar? Que os Planetas mantêm um certo nível de
equilíbrio cósmico dinâmico que se compromete quando eles se “aproximam”, por fazerem Conjunção zodiacal
entre si, chegando a desequilibrar o centro do sistema.
Dito
assim, parece que está se raciocinando sobre corpos com matéria e gravidade, os
quais, ao “se aproximarem”, geram
efeitos uns sobre os outros e, com isso, “desequilibram
o sistema solar”, isto é, o sistema em que eles estão, com o Sol ao centro
e todos orbitando em torno: “O centro do
sistema [que se supõe ser o Sol, já que é do sistema solar que se falou] descentraliza e isto desequilibra e causa
problemas para a Humanidade”.
Parece muito lógico... não fosse o fato de que os Planetas (isto
é, os astros, já que se falou em “sistema solar”) não se aproximam entre si quando ocorre uma Conjunção
zodiacal entre os seus símbolos e, por isso, não há como ser gerado efeito objetivo
algum de desequilíbrio sobre o que quer que seja e nem como causarem nada.
O
que se pode chamar de “aproximação” é
apenas o acercamento, no Zodíaco, de símbolos que um dia foram elaborados com
base nos Planetas, o que não gera “desequilíbrio
no sistema solar” e nem em sistema nenhum, já que a aproximação matemática
de dois símbolos em um círculo imaginário não resulta em energia alguma nem
exerce efeito sobre qualquer coisa que não seja na esfera da competência
semiótica humana, feita de imagens que significam algo.
Quando
ouço afirmações como estas, inevitavelmente penso no registro que fiz no meu
mais recente livro, Astrologia em
diálogo com a Ciência e a Fé:
“Não obstante eu venha
chamando atenção desde 1989, como o fiz em O simbolismo astrológico e a mente humana, para o fato evidentíssimo – até,
mesmo, segundo os procedimentos da
própria Astrologia – de não se tratar
de energias de corpos siderais causando os acontecimentos terrestres e, dentre
estes, as ocorrências corporais, emocionais, sentimentais e intelectivas
humanas, toda vez que menciono isto em eventos de astrólogos deparo com uma
surda resistência (senão aversão, mesmo, reação afetiva que parece indicar que
um ponto sensível foi ferido), por irresistível apego ao modelo astrológico
convencional: energia dos astros.
Naquela mesma década Liz Greene afirmava em A Astrologia do Destino, referindo-se ao simbolismo astrológico:
“Não se trata de compulsão planetária; os planetas simplesmente
refletem, ou são símbolos de, um padrão existente no homem e na mulher
interiores, orquestrado através da experiência da vida pelo arquétipo que
representa a essência de sua individualidade” (itálico meu).
Ainda assim, 30 anos
passados [...] não cessa a proliferação de artigos e livros e cursos e
palestras de Astrologia referindo-se aos Planetas como sendo fatores causais
objetivos”.
Com
o que, também, não cessam afirmações que, decerto sem perceber, violam princípios
fundamentais da realidade na elaboração de raciocínios e exposição de
conhecimentos, preso que se fica da pressuposição (meramente ideológica) de que
aquilo que é denotado pela Astrologia são fenômenos decorrentes de efeitos objetivos
dos corpos siderais.
Vejamos
alguns detalhes, com certa paciência.
O Zodíaco
Há
aproximadamente 4,6 bilhões de anos surgiu o Sol e, logo após, o sistema solar.
Desde aquela inimaginavelmente longínqua época, os Planetas giram em torno do
Sol, em diferentes órbitas elípticas, ora se afastando, “empurrados” pela
inércia de movimento, ora se aproximando, “atraídos” pela força gravitacional
do Sol (é mais complexo, mas resumo assim).
Sobre
a Eclíptica, que é a trajetória que o Sol parece fazer em volta da Terra (já
que só a-pós Copérnico se passou a considerar que é a Terra que gira em torno do
Sol), os mesopotâmios conceberam no século 5 AEC o Zodíaco e dividiram este
círculo em 12 segmentos de igual tamanho (30º), que conhecemos como Signos
(Áries, Touro, Gêmeos, etc.).
John
M. Steele é um historiador das Ciências Exatas da Antiguidade, na universidade
norte-americana Brown University. Ele é especialista em história da Astronomia,
com foco particular na Astronomia Babilônica.
Em
um de seus artigos, ele explica desta maneira:
“O desenvolvimento do
zodíaco foi um evento importante na história da astronomia e astrologia
babilônica. Na astronomia, o zodíaco
forneceu uma estrutura matemática uniforme dentro da qual os corpos
celestes, em particular a lua, o sol e os cinco planetas, podiam ser
localizados [...] Essa estrutura matemática simplificou bastante o cálculo dos
fenômenos astronômicos. Dentro da astrologia, o zodíaco abriu toda uma gama de
novas possibilidades para fazer associações entre o reino terrestre e o
celeste.
O desenvolvimento do
zodíaco ocorreu em algum momento da Babilônia durante o final do século V a.C.
[...] O conceito de zodíaco subsequentemente circulou pelo Oriente próximo,
sendo transmitido ao Egito e ao mundo grego, de onde se espalhou para a Índia e
depois da Índia para a China e outras partes do leste da Ásia, enquanto no
Oeste se tornou uma parte padrão da astronomia grega, islâmica e europeia.
[...] É importante
esclarecer a distinção entre o zodíaco e as constelações zodiacais. As
constelações zodiacais são um conjunto de constelações através das quais o sol,
a lua e os planetas se movem [...] Todas
as constelações são construções humanas, projeções feitas sobre o grande
número de estrelas visíveis a olho nu, distribuídas no céu noturno. As
constelações são, portanto, culturalmente dependentes – culturas diferentes
organizarão as estrelas em padrões diferentes e as nomearão de coisas
diferentes –, embora, como qualquer conhecimento astronômico, as tradições de
definição e nomeação de constelações possam transitar entre culturas” (itálicos
meus).
Germano
Bruno Afonso, por exemplo, físico brasileiro que é Doutor e Pós-Doutor em
Astronomia de Posição e Mecânica Celeste, e Especialista em Arqueoastronomia
indígena, ensina que os índios brasileiros veem uma Cobra na constelação que
chamamos de Escorpião e, uma Ema, entre as constelações de Escorpião, Lobo e Cruzeiro
do Sul.
“Em termos modernos
[continua John Steele], as constelações zodiacais são uma série de constelações
distribuídas em torno de uma banda centrada na Eclíptica através da qual a lua,
o sol e os planetas se movem. Podemos chamar isso de banda zodiacal. O zodíaco
é uma divisão matemática uniforme da banda zodiacal em doze partes de igual
comprimento, cada uma com 30°, que podemos chamar de signos zodiacais (ou
signos do zodíaco). Ao contrário das constelações zodiacais, os signos
zodiacais são do mes-mo tamanho e não têm espaços entre eles. Assim, enquanto
os limites das constelações podem ser vistos no céu noturno imaginando linhas
entre as estrelas, os limites dos signos zodiacais são definidos
matematicamente e não podem ser vistos diretamente no céu”.
Claro!
Se o Zodíaco é algo que existe apenas por haver a capacidade humana de
imaginação e cálculo matemático, ele não é algo objetivo que possa ser visto no
céu. Ademais, não se deve esquecer que o que vemos não são as próprias estrelas
das constelações, como se elas estivessem ali pertinho da Lua ou, mesmo, dos
Planetas.
O
que vemos são apenas pontos de luz, a luz que muitíssimos anos atrás as estrelas
emitiram, de tão distantes que elas estão. O Cruzeiro do Sul, por exemplo, que
está a 7.700 anos-luz da Terra, pode ter até desaparecido há milênios, mas sua
luz continua chegando até nós.
É tudo, e apenas,
imagem
Do
Zodíaco, diz-se que os astros, entre os quais os Planetas, registrados neste ou naquele segmento do Zodíaco,
estão em Áries ou em Touro ou em Gêmeos, etc., mas, em verdade, eles não estão em um algo chamado “Áries” ou “Touro” ou
“Gêmeos”.
São apenas ocorrências de representação zodiacal simbólica e, não, fenômenos objetivos com energia característica (a energia de Áries, a energia de Touro, a energia de Gêmeos, etc., todas diferentes entre si, como se costuma supor), dando-se o mesmo com as constelações, que só existem por conta da capacidade humana de imaginação e fantasia.
Do
jeito que nos acostumamos a falar, parece que cada constelação é uma certa área
espacial do cosmo através da qual um Planeta
pode transitar, seguindo sua órbita, como se fosse um patinador deslizando
sobre o gelo ou nadador subaquático atravessando a água. Mas não é assim, e
mesmo no caso delas é tudo imaginação e produto da mente.
Compare:
Saturno está em órbita a 1,4 bilhão de quilômetros do Sol, enquanto Nashira (Gamma Capricorni), a principal estrela
da constelação de Capricórnio, está situada a 1,3 quatrilhão de quilômetros do
Sol, ou uma distância 920.000 vezes maior.
No cosmo, o que podemos ver à noite é o ponto de luz de Nashira, que, juntamente com os pontos luminosos de outras estrelas, compõe aquilo que as culturas mesopotâmicas resolveram chamar “constelação de Capricórnio” – e cada cultura o fez a seu modo.
Muito, muito, muito lá em cima, a 1,3 quatrilhão de quilômetros de nós, está a estrela que compõe o que, vista daqui com outras (e em variadas distâncias entre si e com a Terra), chamamos de “constelação de Capricórnio”. Bem mais abaixo, a “apenas” 1,28 bilhão de quilômetros da Terra, está a órbita de Saturno. Estamos aqui, mais abaixo ainda, na Terra, olhando para o céu e vendo Saturno se movimentando entre determinados pontos de luz, cujo conjunto chamamos de “constelação de Capricórnio”. Aí, pensamos: “Saturno está transitando na constelação de Capricórnio... Que bacana!”.
Todavia, entre ambos, Planeta e estrelas, há mais de um quatrilhão de quilômetros e, portanto, é só na nossa imaginação e com base no que visualizamos, que Saturno parece transitar na constelação de Capricórnio, como se a constelação fosse um algo objetivo existente no cos-mo sobre o que, ou através do que, Saturno transitasse.
Para
uma comparação em termos humanos e ficar mais fácil lidar com estas imensas
distâncias todas, que são as cósmicas, imaginemos uma pessoa de pé na calçada
de um edifício que tenha o dobro da altura do Burj Khalifa, o edifício mais
alto do mundo, que tem 160 andares e 828 metros de altura em Dubai.
Aqui
em baixo, a apenas 1 milímetro do solo está a órbita de Júpiter, logo acima do
dedão do pé da pessoa está a órbita de Saturno, pouco abaixo do osso de seu tornozelo
está a órbita de Plutão e lá no alto, bem no alto, muito alto mesmo, acima do
topo do “duas vezes o Burj Khalifa”, a 1.700 metros de altura, está Nashira (Gamma Capricorni), a estrela cujo ponto
luminoso ajuda a compor no céu o que chamamos constelação de Capricórnio.
Então, voltando à Astrologia, em certas épocas os símbolos zodiacais de Júpiter, Saturno e Plutão matematicamente se aproximam no Zodíaco (em 2020, os três símbolos vão estabelecendo simultâneas e mútuas Conjunções zodiacais no final do Signo de Capricórnio), com isso significando várias coisas, enquanto os astros continuam em suas órbitas cósmicas em torno do Sol como o fazem há milhares de milênios, mantendo distâncias imensas entre si e sem que estas Conjunções zodiacais signifiquem qualquer “aproximação entre planetas”, provoquem qualquer “desequilíbrio no sistema solar” ou “causem problemas para a Humanidade”.
Como o romano Marcus Manilius, contemporâneo de Ptolomeu, escreveu no século 1:
“[Os astros] não variam nem o seu pôr nem o seu retorno ao céu, mas cada um,
constante, eleva-se de acordo com o seu tempo específico e conserva ordenados
os momentos do seu nascer e do seu ocaso. Nada, nessa máquina tamanha, é mais
admirável do que sua regularidade e o fato de que tudo obedece a leis
constantes. Em lugar nenhum uma perturbação lhe causa dano; nada, em parte
alguma, é levado a vagar por um caminho mais extenso ou mais breve ou a mudar a
direção do seu curso. O que mais pode haver de aparência tão complicada e, no
entanto, de movimentação tão regular?”.
Afinal,
se os próprios Planetas Júpiter, Saturno e Plutão se aproximassem, como vamos vendo
os seus símbolos se justaporem em Conjunções zodiacais em 2020, isto
significaria que, aí, sim, o sistema solar inteiro teria entrado em colapso e
não estaríamos mais aqui para ler este texto ou assistir a palestra alguma!
O
problema, a meu ver, no que foi dito: “Quando
os planetas se aproximam, eles desequilibram o sistema solar. Por que? Porque
sai do centro. O centro do sistema descentraliza e isto desequilibra e causa
problemas para a Humanidade”, é que declarações como estas, especialmente
quando feitas por quem tem destaque como profissional de Astrologia, não resistem
à confrontação com os dados objetivos do mundo e comprometem a imagem da
Astrologia como conhecimento de boa qualidade.
E,
o que é pior, fazem por tornar desnecessária qualquer busca de explicação verdadeira
sobre as razões da efetividade da Astrologia, já que parecem esclarecer o que
ocorre e desestimulam a questão: se não é
por efeito de energias dos planetas, o
que é que, de fato, então, faz com que a Astrologia funcione, já que se sabe
que ela funciona?
Em
decorrência, não se avança em busca de melhor conhecimento.
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