Em setembro passado eu
deveria ter participado da “X Jornada Gaúcha de Astrologia e Transdisciplinaridade”,
na Universidade da Paz – Rio Grande do Sul.
Por infortúnio não
pude, por uma série de desafios pessoais surgidos inesperadamente.
Decidi publicar aqui
no blog, então, o que eu teria apresentado lá.
Como é material longo
e complexo, será exposto em duas partes.
Quando da segunda
parte, publicarei também o material de apresentação visual que teria embasado
minha participação.
Creio que, com isto, ajudarei
a enriquecer a compreensão que se possa ter sobre a Astrologia Clínica, de
perfil e feitio psicodinâmico, à qual me dediquei desde 1985.
É importante esclarecer que penso
a Astrologia Arquetípica como uma meta-Astrologia, frisando que
“meta-Astrologia” não é uma técnica interpretativa de símbolos astrológicos. O
termo “meta” é proposto no conceito aristotélico: se, em Aristóteles,
Metafísica era o estudo do que transcende o sensível, do grego phusikós, “da natureza” (Houaiss), meta-Astrologia é o estudo
que lida criticamente com as diferentes Astrologias dentro de um conjunto
nocional que almeja ultrapassar as características peculiares de qualquer delas
para focar no que haja de comum nelas todas – o que e como, realmente, elas
denotam –, enquanto recursos descritivos de fenômenos que se dão no transcorrer
do espaço-tempo.
I.
A Astrologia é, por natureza, transdisciplinar.
Como recurso técnico de diagnóstico ou prognóstico, ela não se basta em
si: sendo símbolo, ela se expressa ao referir-se a algo, e este algo
forçosamente abrange conceitos e vocabulário de outras disciplinas, em geral
combinadas.
Se é Astrologia Mundial, se expressa por conhecimentos de Antropologia, Ciência
Política, História e Sociologia.
Se é Astrologia Eletiva para Negócios, se expressa por conhecimentos de
Administração, Direito e Economia.
Se é Astrologia Médica, se expressa por conhecimentos de Química Orgânica,
Biologia e Fisiologia.
Se é Astrologia Vocacional, se expressa por conhecimentos de Pedagogia
ou Psicopedagogia, bem como de Psicologia da Educação.
Como técnica (ou arte) de interpretação descritiva de aspectos da
existência para diagnóstico e ou prognóstico, sua sintaxe simbólica é orientada
pelo propósito, isto é, constrói-se conforme se orienta para este ou aquele
assunto.
De acordo com o que se pretende diagnosticar ou prognosticar, organiza os
múltiplos significados de seus símbolos e elabora a narrativa que parece mais
bem atender à demanda de diagnóstico ou prognóstico.
Dá-se o mesmo com a Astrologia Clínica, de perfil psicológico: desenvolvida
para enriquecer o atendimento psicoterapêutico, ela se expressa por meio de
conhecimentos das Ciências da mente, entre elas a Psicologia e as Neurociências,
e campos simbólicos de conhecimento, como a Mitologia.
II.
A Astrologia não é “saber básico”, de bancada, e, sim, “saber aplicado”,
isto é, seu existir se dá de fato ao se manifestar por uma narrativa que
objetiva instrumentalizar alguém no diagnóstico ou prognóstico de parcela da
existência, seja mundo, sociedade, grupo, família ou indivíduo (e ainda coisa e
evento), podendo embasar atitudes e/ou ações propositivas e/ou corretivas.
Se
ela se faz ao narrar, e pretende ser eficiente ao diagnosticar ou prognosticar,
a Astrologia deve adotar alguns princípios reitores da boa comunicação:
quantidade: a narrativa deve conter a quantidade
necessária de informação e, ao mesmo tempo,
não conter mais informação do que o necessário;
qualidade: a narrativa não deve afirmar aquilo
que não se julga ser verdadeiro e nem aquilo que não se pode analisar ou
comprovar;
pertinência: a narrativa deve se ater apenas
àquilo que seja pertinente ao assunto comunicado;
objetividade: a narrativa não deve ser expressa de
forma obscura ou ambígua.
Lembrei em Por uma Filosofia da
Astrologia: se dá espaço ao exercício das associações
que são imprescindíveis no trabalho de interpretar símbolos, a Astrologia Arquetípica
deixa vãos enormes para imprecisão conceitual, linguagem vaga e generalista,
uso amplificado de figuras de retórica (alegorias, analogias, metáforas e metonímias),
enfim, tudo aquilo que não é propriamente objetivo e consistente ao se expressar
e fica por conta de quem interpreta ou recebe a interpretação, com o que,
muitas vezes, até mesmo a boa informação pode levar ao mau entendimento.
Destacando e valorizando o seu conteúdo (e sua técnica), ela deve entregar uma
boa narração.
III.
Boa narração requer precisão expressiva, inda mais num cenário de “religação
de saberes”, de múltiplas técnicas com propósitos específicos (interpretação de
Carta Natal, Progressões e Trânsitos, Sinastria, Eletiva, Horária, etc) e, por
vezes, de apropriações ligeiras de conhecimentos de áreas complexas.
Manter
esta precisão é um importante desafio da Astrologia Arquetípica: ao se oferecer
como narradora do que se quer diagnosticar ou prognosticar, ela deve ultrapassar
o simbólico (lírico, mesmo) em proveito de uma adequada descrição discursiva no
que e como diz aquilo de que vai falar, seja o que for, para oferecer
conhecimento utilizável por aquele ou aquela a quem ela serve.
Um
dos complicadores é a inevitável apropriação que a Astrologia faz do discurso e
do vocabulário de campos de conhecimento muito díspares – como a Astronomia e a
Mitologia –, sem deter um seu próprio (exceto quanto ao jargão eminentemente
metodológico).
Isto,
para nem mencionar a imbricação habitualmente verificada entre a Astrologia e as
técnicas (ou artes) ditas arcanas, como o Tarô, Cabala ou I Ching, quando símbolos
se mesclam e recombinam de modo nem sempre congruente e explicável com nitidez,
já que não se alerta de modo explícito que uma coisa é uma coisa e outra coisa
é outra coisa: a despeito do valor que tais técnicas tenham, Astrologia não é
Tarô, Cabala e nem I Ching, e precisão expressiva é imprescindível no ofício interpretativo,
para relativizar o lado cantante da alma.
Penso no
termo que é o coringa das palavras: “coisa”. Ao absurdo, pode ser dito: “eu
peguei uma coisa e pensei uma coisa; aí, eu senti uma coisa tão forte que
preferi largar”. Nada específico foi
comunicado, por mais que pareça ter sido significado algo. Objeto,
pensamento e sentimento, tudo é coisa.
E coisa,
aqui, nada disse.
IV.
No
âmbito da especialidade psicológica da Astrologia Arquetípica, que é o foco
mantido aqui, e como defini no livro Astrologia
clínica, um método de autoconhecimento, é uma bênção dispor de um instrumento que propicie clara percepção do
que ocorre nos desvãos do inconsciente, aos quais nem a própria pessoa tem
acesso. Mas é igual bênção dispor de um
arcabouço conceitual que propicie entender melhor, e como encaminhar de modo
mais adequado, o que é então percebido. Pois se uma coisa é perceber e outra é
compreender, apenas ambas bem articuladas é que propiciam uma ação congruente,
responsável e benfazeja, com base no já percebido e então compreendido.
Na
primeira parte: “clara percepção do que ocorre nos desvãos do inconsciente”, eu me referia à descrição diagnóstica
da realidade psíquica para a qual a Astrologia Arquetípica é competente. Na
segunda: “arcabouço conceitual que propicie entender melhor, e como encaminhar
de modo mais adequado”, eu aludia ao pensar e fazer psicoterapêuticos (seja
terapia profunda, breve ou de aconselhamento), para os quais o Psicólogo
clínico é habilitado.
Uma,
auxilia a diagnosticar; outra, sistematiza e desenvolve o procedimento terapêutico,
se, quando e do jeito que for preciso.
É delicado
este balanceamento, pois se parece impor rigor excessivo e, com isto, pode
afastar ou desanimar quem pretende se desenvolver no ofício da Astrologia, por
outro lado preserva qualidade, em informação e desempenho, ao delimitar aquilo
que é oferecido: descrição da realidade mental de alguém, para, entre outros
objetivos, apoio ao ofício da Psicoterapia.
Ao
argumento: “ora, que mal pode haver se houver erro na interpretação?”, responde-se:
pode haver muito dano, na exata medida em que os dados fornecidos na consulta
de interpretação podem ser tidos pelo consulente como base suficiente para avaliações,
decisões e ações, até mesmo a de se matar.
Falei,
acima, de dois diferentes ofícios, o da Astrologia e o da Psicoterapia, porque
astrólogo não é terapeuta – e isto deve ser dito de modo franco. Para além de
conhecimentos gerais sobre Humanidades, para além de compaixão pelo próximo,
para além de vocação para o labor, é essencial ter preparo teórico e metodológico
para a delicada tarefa de acompanhar terapeuticamente alguém em tarefas de
autoconhecimento para aprimoramento íntimo por ressignificação e catarse, o que
ultrapassa com folga a interpretação narrativa astrológica e requer o preparo técnico
característico do terapeuta.
Tal
tipo de cuidado atento respeitoso, se é essencial para a fértil aproximação da
Astrologia Arquetípica com a atividade clínica da Psicologia, o é também ao
relacioná-la com outros campos de conhecimento, pois em todos eles há
especificidades que devem ser preservadas e defendidas, por não serem apenas
miopia ou estreitas limitações do modelo positivista, como querem alguns, a
eliminar ou desconsiderar a priori.
(Fim da primeira parte)
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