(Segunda parte)
V.
Como
expliquei melhor em O simbolismo
astrológico e a psique humana, em meados de década de 80 enfrentei a
necessidade de metodizar a entrevista devolutiva da interpretação, para que a
multiplicidade de informações oferecida pela Carta astrológica natal pudesse
compor uma narrativa organizada em linguagem leiga (isto é, deliberadamente sem
jargão astrológico) que favorecesse o recobro dos dados, mais tarde, quando o
consulente estivesse em trabalho terapêutico com quem o acompanhava, ou fosse à
busca de solução, caso ainda não estivesse em terapia. Este era – e é aqui – o meu
foco.
Em
decorrência de meu estudo, optei por diferenciar duas classes distintas de
conteúdos psíquicos que podem ser revelados pela interpretação da Carta
astrológica natal, referidas a uma pessoa em particular porque calculada e elaborada,
a Carta, com base na data, horário e local de seu nascimento:
a.
fatores psicodinâmicos tipológicos inatos, causados por arquétipos funcionais[1] (e
talvez cocausados por campos mórficos[2]) que
atuaram na conformação desta psique; estes fatores eu passei a denominar
“traços estruturais de personalidade”;
b.
fatores psicodinâmicos condicionados de comportamento pessoal, causados por
imagens arquetípicas decorrentes de arquétipos conteudísticos e por particularidades
do ambiente de primeira e segunda infâncias; estes fatores eu passei a denominar
“traços conjunturais de personalidade”, na medida em que passaram a vigorar na
mente inconsciente por introjeção de dados da conjuntura vivida pela criança,
como resultado de imagens arquetípicas internas que condicionaram a percepção das
características objetivas e subjetivas do ambiente de primeira e segunda
infâncias.
Ao
falar de “ambiente de primeira e segunda infâncias”, identificável pelo
conjunto simbólico da Carta astrológica natal, já estou a falar de sincronicidade,
e o importante aqui é realçar que, da mescla dos produtos subjetivos da percepção
realizada pelo indivíduo, como foi matizada pelas imagens arquetípicas, com as
principais características objetivas do meio ambiente infantil, como são indicadas
pela Carta astrológica natal, é que decorreu a quase totalidade dos conteúdos
mentais pessoais inconscientes mais determinantes no indivíduo.
Tais
duas diferentes classes de conteúdo merecem abordagens distintas pelo
indivíduo, pois os traços estruturais, que são tipológicos e perenes, requerem
“gerenciamento adequado de aspectos inatos”, ao passo que os traços conjunturais,
que são fruto de treinamento por exposição a modelos, podem ser alvo de
“desprogramação” ou descondicionamento, por catarse e ressignificação.
Catarse,
porque as experiências vividas deixam resíduos inconscientes dos diferentes
estados emocionais experimentados, instaurando a memorização de sentimentos que
costumam estar na base de hábitos pessoais de comportamento e precisam ser
revividos quando se almeja o descondicionamento.
Ressignificação,
porque o mundo e a relação pessoal com ele são, antes de tudo, elaboração da
mente por meio de imagens – “a psique é o eixo do mundo”, declarou Jung –,
entre as quais as associadas a palavras e situações; a ressignificação, por
conseguinte, permite redesenhar a imagem das relações existentes e redefinir a
postura do indivíduo frente a elas.
VI.
Na
prática interpretativa, passei a deduzir os traços estruturais de personalidade,
alguns tendo experiência modulável pelo gênero (homem/mulher), a partir de
cinco conjuntos de símbolos da Carta astrológica natal:
§
a Polaridade do
Ascendente, do Sol e da Lua, avaliando o grau de predominância da instância anímica
(Animus em mulher e Anima em homem) na dinâmica psíquica inconsciente da
pessoa;
§
o total de Planetas
por Elemento
(Fogo, Terra, Ar ou Água), avaliando o balanceamento entre Intuição, Sensação,
Pensamento e Sentimento;
§
o total de Planetas
por Modalidade
(Cardinal, Fixa ou Mutável), avaliando o grau de intensidade de estamina,
resiliência e adaptabilidade;
§
o total de Planetas
por Hemisfério
(Noturno e Diurno), avaliando a ponderação de Introversão e Extroversão;
§
o total de Planetas
em Signos de Polaridade positiva ou negativa, avaliando o grau de predominância
das funções mentais dos hemisférios cerebrais direito ou esquerdo.
Para
quem pratica Astrologia e vem fazendo esta contagem segundo métodos
convencionais, informo que, diferente de contagens astrológicas por Modalidade,
Elemento e Dignidade ou Debilidade, que dão pontuações variadas para distintos
Planetas e para o Ascendente conforme o Signo em que estão, o que faço é contar
de modo simples, um a um, como cedo pude aprender com o trabalho da astróloga
norte-americana Betty Lundsted, sem pontuar o Ascendente e nem dar pontuação variável
conforme seja Sol, Lua ou quaisquer Planetas.
Já
os traços conjunturais de personalidade, eu os deduzo principalmente a partir
de:
§
o
Signo solar, isto é, o Signo em que está o Sol na Carta astrológica natal, e as
principais narrativas míticas associáveis ao Signo;
§
a
localização dos Planetas por Signos;
§
os
Aspectos estabelecidos pelos Planetas entre si e com Ascendente e Meio do Céu (sendo
ASC « MC o eixo estrutural simbólico de Persona);
§
a
localização de Saturno por Casa astrológica.
Como
a prática interpretativa destaca o que pareça mais significativo ou determinante
a cada vez, outros detalhes podem ser identificados caso o trabalho se dê em
níveis mais minuciosos, inclusive verificando a posição de Saturno, por
Trânsito, e da Lua, por Direção Secundária Direta e Conversa (ambos, por Casa e
Signo), quando da consulta de interpretação, para contextualizar no tempo a
faceta arquetípica da teia do mundo em destaque: “qual é o mote, agora?”, que
está sendo vivenciado (por aquela pessoa, segundo sua Carta).
A
descrição pode ser enriquecida se for adicionalmente interpretada a localização
de cada Planeta por Casa astrológica, além de por Signo, bem como fatores como
Roda da Fortuna, Quíron, Lilith ou Nodos lunares, que são símbolos astrológicos
secundários que optei por não discutir aqui.
No
decorrer da interpretação, de mesmos arranjos simbólicos se extraem diferentes
significados, conforme a passagem da narrativa que está sendo elaborada e expressa,
sendo que esta simultaneidade de sentidos é uma das mais preciosas riquezas que
a simbólica astrológica oferece, mas requer do astrólogo habilidade treinada,
tanto na interpretação, quanto na elaboração e exposição (prudente) da
narrativa devolutiva.
Se no quadro acima mencionei “espírito”, não estou atribuindo o que se costuma intitular “espiritual” a
fator natural supra, infra ou intrapsíquico e, menos ainda, utilizando o
termo em conotação religiosa. Estou apenas me referindo a fatores ordenadores
imateriais de âmbito macro, derivados de campos mórficos e ou de campos
psicoides, como se usa o termo em o “espírito do tempo”, denotando os dinamismos
cocausadores de forma que determinam e definem o que ocorre no tempo e no
espaço em cada fase ou instante.
Tão vasta é a variedade possível de informação, que a primeira regra de interpretação ensina: dentre todos os significados que se pode deduzir dos fatores-símbolo de uma Carta astrológica natal, selecione os que são mais decisivos do que se pode descrever e, com estes, construa a composição narrativa.
Tão vasta é a variedade possível de informação, que a primeira regra de interpretação ensina: dentre todos os significados que se pode deduzir dos fatores-símbolo de uma Carta astrológica natal, selecione os que são mais decisivos do que se pode descrever e, com estes, construa a composição narrativa.
Já
estará bom para o que se pretende.
VII.
Destacando que aqui falo
especificamente do trabalho interpretativo que leva à psicoterapia ou enriquece
a terapia que já esteja em andamento, Jung alertou em Psicologia e Alquimia que o
simples conhecimento intelectual não basta, pois só é eficaz uma rememoração
que seja ao mesmo tempo vivenciada de novo. Muitas coisas irresolvidas ficam
para trás devido ao rápido escoar dos anos e ao afluxo invencível do mundo que
acaba de ser descoberto. Mas não nos livramos destas coisas, apenas nos
afastamos delas. Se muito tempo depois evocarmos novamente a infância, nela
encontraremos muitos fragmentos vivos da própria personalidade, que nos
agarram, e somos invadidos pelo sentimento dos anos transcorridos. Esses
fragmentos permanecem num estágio infantil e por isso são intensos e imediatos.
Só por meio de sua religação com o consciente adulto poderão ser corrigidos,
perdendo seu aspecto infantil.
Neste
exato sentido Fernando Pessoa poetou:
A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou.
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
quero ir buscar quem fui
onde ficou.
Como
frisei em Astrologia Arquetípica,
autoconhecimento e espiritualidade, a
interpretação da Carta astrológica natal, se feita com propósito diagnóstico [isto
é, visando enriquecer o cenário da psicoterapia], longe de ser unicamente um momento de mera discussão intelectual de
dados e informações sobre a pessoa e sua destinação arquetípica e história
vivida, é um encontro pleno de intensa afetividade, graças à vigorosa
intervenção do próprio ato de interpretação, podendo ser um rito de passagem
para outro estado de si, motivo pelo qual desde 1988 eu adoto a expressão
‘Astrologia Clínica’.
Enquanto
recebe as informações que a Carta astrológica natal vocaliza por meio do
intérprete, e podendo participar ativamente da dinâmica de desvelamento de si
por meio da apresentação de questões e testemunhos durante a entrevista
devolutiva (do conteúdo interpretado), a pessoa que consulta o astrólogo é
levada a aferir, no íntimo, o que até aquele momento veio vivendo na
existência:
§
o
que obteve, frente ao que desejou;
§
o
que atingiu, face ao que pretendeu;
§
as
razões interiores de suas inadequações;
§
a
confirmação de potenciais até então mal percebidos, mas pressentidos como
verdadeiros e estando à espera de brotamento favorável.
Ou,
como o astrólogo franco-americano Dane Rudhyar afirmou em A planetarização da consciência, se em decorrência do conhecimento propiciado pela interpretação astrológica
a pessoa percebe que seus acontecimentos vitais, que até então haviam parecido
cabalmente caóticos e sem sentido; se pode sentir uma direção e uma finalidade
coerentes em sua vida, e como tem estado bloqueando esta compreensão do
significado, da orientação e da finalidade, a Astrologia foi efetiva e pode
levar a ir adiante.
VIII
O
fato, se torna o processo interno mais compreensível por quem labuta para se
conhecer ou entender melhor, e se reformar intimamente, ampliando a
possibilidade de interferir (como der) nas próprias atitudes e comportamentos,
e nas dinâmicas e conteúdos inconscientes que lhes dão origem, também costuma instalar um processo intenso de busca de
alternativas de solução para o que foi detectado.
Tendo
compreendido as razões de tantas de suas atitudes, inclusive as tidas por si
como inadequadas ou inconvenientes, e tendo percebido – quiçá pela primeira vez
– que pode interferir de modo ativo nos próprios dinamismos inconscientes para
atenuar a compulsividade de comportamentos, a pessoa identifica e compreende
melhor um panorama interior que é fruto de sua história formativa e, em imensa
medida, veio determinando as condições de sua existência, por comportamento
(íntimo ou manifesto) e sincronicidade (eventos associados por significado).
Mais
ainda: é levada a enfrentar o dolorido fato de ter sido ela mesma, em ampla
medida e de certa forma, cúmplice de suas dificuldades, mesmo se involuntariamente,
já que reside em suas vontades inconscientes parte importante dos motivos das
atitudes e escolhas, até as más ou inadequadas para si.
Em
outras palavras, também tem sido a própria força interna uma importante
responsável por problemas vividos ao lidar consigo e com a existência, mesmo
que isto não fosse, até então, admitido.
Sendo
assim, se é uma própria vontade o que tem dirigido a pessoa, e de um jeito que
a si parece ruim ou inadequado, o que lhe cabe é trabalhar no sentido de
alterar a orientação interna desta mesma
vontade – isto é, de fato, autodomínio –, orientando-se para o que lhe
pareça um melhor jeito de ser.
Com
a vantagem de, agora, por meio da interpretação astrológica arquetípica de
feição psicológica clínica, conhecer parcela importante dos próprios vetores inconscientes,
entender melhor o que deu origem a tais dinamismos e vislumbrar a possibilidade
de alterar o estado geral de coisas em sua vida, desde que queira e com este
objetivo se comprometa com firmeza.
O
novelo de dinâmicas inconscientes deve ser deslindado, os conteúdos afetivos
que dão sustento a este emaranhado devem ser liberados, e as memórias, desejos
e frustrações que ali residem devem ser conhecidos, assumidos ou superados,
para alterar hábitos de comportamento de forma sustentada.
Num
conjunto de afazeres que não é nada fácil, já que a parte inconsciente da mente
humana resiste até onde consegue a mudanças, e modificar-se é indispensável ao
desenvolvimento pessoal.
Por
isto, usualmente se evidencia a utilidade do acompanhamento por um experiente
especialista na delicada tarefa de participar do crescimento interno de
pessoas, e este especialista costuma ser o psicoterapeuta, seja psicólogo ou
psiquiatra.
Acompanhando-a,
auxiliando-a, amparando-a e a incentivando enquanto a pessoa rememora, revive,
analisa, integra e supera, o especialista, seja ele terapeuta de que modalidade
terapêutica for, serve de companheiro de viagem no itinerário da pessoa por si no
resgate de seus verdadeiros valores e propósito, em geral abandonados,
distorcidos ou negados no correr da existência.
Rumo
ao que foi, desde o início e sem que o soubesse com clareza, sua finalidade no
plano geral da existência.
[1] Os arquétipos
causadores das instâncias, que são as funções essenciais da mente, estes são
sempre ativados na ontogenia, por caracterizarem a filogenia da espécie humana,
para darem origem, no indivíduo, ao Ego, à Sombra, à Persona, ao Animus (ou
Anima) e ao Self, além de outras características mentais tipológicas, como
introversão e extroversão. Eu os chamo de “arquétipos funcionais”, já que
determinam o surgimento de funções mentais específicas.
Outros arquétipos, próprios
de tipos variados de vivência afetiva fundamental (porque derivados de
experiências típicas humanas), ativam-se ou não em cada pessoa segundo sua
destinação, induzindo, se ativados, um perfil individual próprio de
personalidade e comportamento, conforme fatores simultâneos confluem para isto. Estes, eu denomino “arquétipos
conteudísticos”, porque são cocausadores de conteúdo (nas instâncias).
[2]
Isto, sugiro e analiso em Astrologia
Arquetípica e comportamento, de Ptolomeu a Jung na teia do mundo.
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