(Parte 2)
A coisa mais bela que o homem
pode
experimentar é o mistério.
É essa emoção fundamental
que está
na raiz de toda ciência e toda arte.
Albert Einstein
Em 1915 Albert Einstein, antes de concluir a Teoria da
Relatividade Geral, apresentou seu trabalho ao alemão David Hilbert na
Universidade de Göttingen.
Hilbert, um dos maiores matemáticos do mundo na época (e até
hoje), finalizou a sofisticada formulação algébrica da Teoria, gerando o que
passou a ser conhecido como “Ação Einstein-Hilbert”.
Segundo Hilbert, “a Física era muito importante para ficar
apenas nas mãos dos físicos”.
Penso o mesmo em relação à Astrologia: ela precisa ir além
dos astrólogos.
Entretanto, ela só poderá ser enriquecida, e ter sua enorme
importância reconhecida, na medida em que competentes especialistas de variados
campos de conhecimento se dediquem a estudar, compreender e descrever as sofisticadas
dinâmicas factuais e conceituais que lhe dão efetividade.
Isto não significa que ela perderá seu poder de “encantar”,
assim como, segundo a expressão do sociólogo Max Weber, a Ciência produziu o desencantamento
do mundo. Isto entronizará o encantamento, enquanto vivência afetiva, onde ele
de fato deve ficar: extasiada admiração pela vida, mas compreendida até onde
for possível em cada fase do saber humano.
Em 2013, lembrei em Astrologia Arquetípica, autoconhecimento e
espiritualidade que a maioria dos
astrólogos, até entre os que são brilhantes profissionais e competentes
intérpretes ou analistas, leva anos a fio discutindo minuciosamente aspectos de
cálculo, simbolismo e interpretação, só metodologia ou técnica prática e, não,
aspectos epistemológicos da Astrologia, e isto a mantém restrita a círculos
limitados de especialistas ou interessados, sem permitir maior extrapolação de
seus conhecimentos para outras áreas de interesse científico. Pior: lida com o
conjunto de seus conceitos como se fosse matéria de fé, com extrema dificuldade
em admitir-lhe a refutação, mantendo em torno a ela uma desnecessária aura
quase que de magia dogmática.
Isto traz dois severos prejuízos ao
desenvolvimento da Astrologia.
De um lado, a tentativa nem sempre bem
sucedida, porque muitas vezes impraticável ou de fruto ruim, de estabelecer sínteses
de sentido ou técnica entre Astrologias díspares que se apoiam em pressupostos bastante
distintos (a Astrologia Jyotisha é
nitidamente teísta, a Chinesa é marcadamente filosófica e a Ocidental é cada
vez mais associada às Ciências do comportamento).
Isto gera mais indefinição e vagueza do que
avanço em compreensão, à medida que dá margem a especulações que têm bem pouco
de consistência e terminam sendo mais enlevos líricos do que declarações de
conhecimento.
De outro, a manutenção, sob variadas vestimentas,
do mais prejudicial postulado da Astrologia moderna e contemporânea: a
suposição da “ação de energias”, sejam quais forem, como causa eficiente
dos eventos diagnosticados ou prognosticados pelas Astrologias. Enormemente prejudicial,
devo frisar, menos por ser errôneo e, mais, porque encarcera a compreensão e desmobiliza
o questionamento, rumo a descobertas mais bem explicativas e consistentes.
Não poderia ser de outro modo: o irromper da
Ciência no Século XVII foi tão avassalador, imperioso e revolucionário, em uma
época de mais limitada comunicação – em 1600 William Gilbert inventou o termo
eletricidade; em 1633 Galileu Galilei foi
considerado herege por criticar o geocentrismo; em 1636 René Descartes
publicou o Discurso do Método, e em 1687 Isaac Newton apresentou o Principia
–, que a partir daí passou-se a crer que tudo pode ser explicado em termos de
energia.
Isto
– a “energia dos astros” – foi parecendo tão plausível, e tão fácil de entender,
que se tornou pressuposto genérico e paradigma. Afinal, se tudo cada vez mais
parecia ser energia e a energia cada vez mais parecia causar e mover tudo, por
que com a Astrologia não seria assim?
A própria obra de
Morin de Villefranche, o mais influente astrólogo ocidental da Idade Moderna,
foi publicada em 1661 sob o primado de tal suposição hipotética: “isto, por
energia, causa aquilo”. Ele foi, em definitivo, um cartesiano.
Bem verdade que Villefranche
permanecia atado a um teísmo primário, como demonstrou em Observações astrológicas: o certo é que os homens não dividiram
o céu nem em doze Casas para a figura celeste, nem em doze partes iguais para
os Signos do Zodíaco, diferentes em qualidades. Foram Deus e a Natureza que
fizeram estas divisões, mas a causa
eficiente, para ele, era seguramente a energia, como declarou em A Astrologia Gálica: a fortaleza de
um planeta e sua virtude se diferenciam na medida em que a virtude, propriamente
dita, significa sua natureza elementar ou influenciadora, por meio da qual o
próprio planeta atua e, de outro lado, por fortaleza se entende a quantidade [ou
intensidade] de dita virtude.
Levando, trezentos anos mais tarde, em obra premiada internacionalmente (Astrologia,
Psicologia e os quatro Elementos), o astrólogo
norte-americano Stephen Arroyo a propor
uma base, em termos de energia, para toda a teoria astrológica. Desde que os Elementos descrevem as energias reais
simbolizadas por fatores astrológicos, compreender seus princípios permite
sintetizar o significado de um mapa natal de modo imediato.
“Natureza elementar e influenciadora”, “por
meio da qual o planeta atua”, em Morin de Villefranche; “energias reais
simbolizadas por fatores astrológicos”, em Stephen Arroyo. Tudo continuava aprisionadamente
igual e, em virtude da inconsistência factual (até dentro da lógica e dos fatos
da própria Astrologia) do principal postulado adotado, o das “energias
causadoras”, a Astrologia seguiu parecendo produção fantasiosa de mentes
imaginativas e ou crédulas.
O Século XX trouxe um novo possível caminho
explicativo (se houver apropriação criteriosa de conhecimentos de áreas
distintas) por meio da mais abstrata das Ciências (ditas) Exatas: a Física.
Na virada do Século XIX para o XX a Ciência
começou a conceber causas eficientes atuando desde fora do espaço-tempo, sem
que, para isso, tivesse de aderir a alguma formulação teológica (embora
suscitando aproximação afetiva com sistemas teístas impessoais, como o Taoísmo
e o Zen-Budismo).
Isto se deu graças à Física de Partículas,
notadamente na Mecânica Quântica.
Como viria a resumir em 1997 o
norte-americano Henry Stapp, físico que ainda hoje pesquisa na Universidade de
Berkeley a Física da Consciência, o processo fundamental da Natureza
reside fora do espaço-tempo, mas gera eventos que podem
nele ser localizados.
A segunda metade do Século XX viu seguidos
avanços neste sentido.
O neuroanatomista Harold Burr, Professor
Emérito da Universidade de Yale, concluiu em 1972 que, com as evidências que
temos hoje em dia, parece seguro dizer que o
único fator constante no crescimento e no desenvolvimento – o que inclui não
apenas o aumento do número de células, mas sua diferenciação – são os campos, que ele chamava de “L-fields”
(de “Life-fields”), referindo-se a campos imateriais formativos que ele
detectara e pesquisava.
O físico David Bohm conceituou em 1980 o que
chamou “ordem implicada”, atuante de fora do espaço-tempo na causação da “ordem
explicada”, que então se manifesta no continuum
espaço-tempo. Em
suas equações ele demonstrou matematicamente aquilo que seria uma dinâmica
ordenadora imaterial quântica, a “ordem implicada”, subjacente ou “dobrada”, que
pré-ordena e orienta o que virá a existir na “ordem explicada”, manifesta ou
“desdobrada”, incluindo o tempo, e estabelece as correlações entre os
fenômenos, na “ordem explicada” (ou manifestada), conforme as correlações
potenciais que as probabilidades mantinham entre si na “ordem implicada” (ou
subjacente).
O biólogo Rupert Sheldrake propôs em 1981 na
Universidade de Cambridge a hipótese dos “campos mórficos” (do grego morphé, “forma”): segundo ele, estes campos ordenam os sistemas aos quais eles se associam, afetando
eventos que, de um ponto de vista energético, parecem indeterminados ou
probabilísticos; eles, os campos, impõem padrões nas possibilidades de
manifestação energética dos processos físicos
(...) mas não são energéticos em si mesmos.
Em outra área de estudos, a Psicologia, que é a
mais abstrata das Ciências da Natureza – com o avanço das Neurociências, como
negar a ela o status de Ciência Natural? –, no transcorrer do Século XX se desenvolveram
dois conceitos cruciais à produtiva articulação destas novas concepções da
Física com a Astrologia: o conceito dos arquétipos, enquanto dinâmicas
causadoras não submetidas a espaço e tempo, e o conceito de sincronicidade,
enquanto inter-relação dinâmica entre eventos associados apenas pelo significado
expresso.
Desde que se vá além da apropriação superficial
que em geral se faz destes conceitos, com o que frequentemente se corrompe seu
sentido originário e se tenta trazer a discussão para o velho campo da
“energia”, em renitentes e mal disfarçadas tentativas de sobrevivência do
paradigma positivista, parece residir aí uma possibilidade virtuosa: a do
entendimento ampliado de dinâmicas de causa eficiente (intemporal e não
espacial) que levam o fenômeno a cumprir sua causa final na existência
(sua finalidade) sob efeito da causa formal (intemporal e não espacial),
mas nos limites de possibilidade e dentro das características de sua causa
material, estabelecida no espaço e tempo.
Se aqui roçamos o que soa como destino (“causa
final na existência”), cabe recordar a psicóloga norte-americana Liz Greene, uma
das mais competentes elaboradoras de teoria astrológica contemporânea. Em 1984 ela
alertou em A Astrologia do destino: esquecemo-nos do que sabíamos a respeito
do significado de destino e, por isso, as vicissitudes da vida, incluindo a
morte, se nos afiguram no Ocidente uma violação e uma humilhação (...) A comunidade dos modernos profissionais da astrologia muitas vezes dá a
impressão de se sentir muito envergonhada por ter que transacionar com o
destino.
De que se fala aqui,
ao ser mencionado o “destino”?
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