Escreveram-me pedindo melhor esclarecimento sobre o que quis
dizer, em meu post Astrologia e a magia da mente, com a expressão “demarcação científica da Astrologia”. Como a questão
pode ter ocorrido a mais de uma pessoa, pareceu-me melhor esclarecer em um
texto mais detalhado, e não apenas por e-mail enviado em resposta, para que se possa enriquecer
a cogitação a respeito do que propus.
O trecho mencionado de meu post era o seguinte:
“Parece-me
bom, por essa razão, lembrar que o íntimo desejo, em muitos, de que o mundo
seja, nem que em pouca medida, mágico ou encantado (inúmeros de nós somos, bem no fundo, românticos...), termina motivando-os a se
manterem apegados à noção de energias dos astros,
ou força
das estrelas (que é o que sobrou após o sumiço da magia), e resistentes à busca de demarcação
científica da Astrologia – quando se poderia corroborá-la no que for possível ou refutá-la”.
Como se percebe, eu me referia tanto à resistência contra a corroboração
ou refutação das afirmativas da Astrologia, quanto à explicação das causas, sejam metafísicas ou naturais, da efetividade da Astrologia.
Pois são objetivos distintos: 1) um, o mais simples, diz
respeito a buscar comprovar empiricamente, por meio de experimentos
controlados, que as afirmações da Astrologia são consistentes e verazes; 2)
outro, o mais complexo, diz respeito a buscar entender e explicar as causas desta efetividade,
isto é, buscar compreender e descrever o que atua na existência e faz com que a
Astrologia funcione.
No decorrer do século XX muitos foram os filósofos do
conhecimento que discutiram a demarcação científica, ou a forma de discernir
entre ciência e pseudociência.
Em
2014 registrei em Por uma Filosofia da Astrologia:
“Grosso modo, são duas as vertentes
epistemológicas sobre o que constitui o principal meio para desenvolver
conhecimento: a) a racionalista, que defende o conceito de que a razão tem o
papel definitivo, e que a Lógica e a precisão matemática são as verdadeiras
garantidoras do conhecimento desenvolvido; e b) a empirista, que defende a
noção de que a experiência objetiva é que deve deter o papel decisivo, sendo o
resultado das observações e dos experimentos realizados o parâmetro
estabelecedor do conhecimento.
Logo se vê que ambas
têm limitações, razão pela qual é difícil estar seguro em adotar exclusivamente
uma: como poderia um racionalista negar a importância categórica do resultado
de uma experiência que independa de razão? Como poderia um empirista negar uma
conclusão determinante que seja pura abstração e, não, fruto de experimento?”
Este é debate sem fim, já que nenhuma
destas duas vertentes epistemológicas (e isto vale para outros modelos) é indiscutível
e aplicável a todo e qualquer caso.
Mas recordo
o que o pensador francês Edgar Morin afirmou em Ciência com consciência:
“A ciência é, e continua a ser, uma
aventura. A verdade da ciência não está unicamente na capitalização das
verdades adquiridas, na verificação das teorias conhecidas, mas no caráter
aberto de aventura que permite, melhor dizendo, que hoje exige a contestação
das suas próprias estruturas de pensamento. Talvez estejamos num momento
crítico em que o próprio conceito de ciência se esteja modificando”.
Assim, para não desperdiçar esforço com
a análise comparativa de múltiplos pontos de vista, já que meu objetivo não é
avaliar os variados modelos epistemológicos que já foram formulados, à busca de
definir o que é, ou não, ciência, e o que pretendo é ajudar a construir a
possibilidade de que a Astrologia seja vista com interesse pelos campos de
conhecimento científico, resumi na mesma obra:
“Entre várias
definições possíveis, julgo que Ciência é todo conjunto de procedimentos
lógicos e sistematizados de estudo, entendimento e descrição de fenômenos
inanimados ou animados, e objetivos ou subjetivos, desenvolvidos de modo a
propiciar a obtenção e organização de conhecimentos fidedignos sobre dada
parcela da realidade, parcela esta que é o objeto de estudo, bem como a ampla
divulgação de tais conhecimentos, para sua validação (se corroborados),
replicação e ampliação posterior”.
Volto
ao que disse. Metodologicamente, são objetivos distintos: 1) um, o mais simples, diz
respeito a comprovar empiricamente, por meio de experimentos controlados, que
as afirmações da Astrologia têm consistência factual; 2) outro, o mais
complexo, diz respeito a entender e explicar as causas desta efetividade,
isto é, o que é que atua na existência e faz, de fato, a Astrologia funcionar.
O segundo, muito mais complicado, exige a compreensão e aceitação
de conhecimentos ainda em fase hipotética (embora haja inúmeros indícios), como
o dos arquétipos e dos campos morfogênicos enquanto fatores naturais ordenadores
mentais e extramentais, como discuto em Astrologia em diálogo com a Ciência e a Fé.
Ainda estarem em fase hipotética não é problema. Como exemplo
histórico, lembro um aspecto da Teoria da Relatividade Geral. Albert Einstein publicou em 1911 a
hipótese do curvamento da luz e somente em 1919, pela observação de um eclipse na
cidade cearense de Sobral, comprovou-se que a luz se curva no espaço sob o
efeito gravitacional de uma grande massa. Houve um intervalo de quase uma década entre a publicação da teoria e a comprovação experimental, e nem por isso a Física deixou de
fazer importantes avanços, neste tempo todo, com base nos conceitos desenvolvidos
por Einstein.
Então, dos dois objetivos, o que mais me interessa em prazo mais imediato, dada sua plausibilidade (desde que se queira fazer), é o primeiro:
comprovar empiricamente, por meio de experimentos controlados, que as
afirmações da Astrologia podem ser verdadeiras (digo podem, porque todo
diagnóstico ou prognóstico pode ter erros na realização, sem que isto
comprometa a credibilidade do método adotado).
Esta comprovação, desde que feita de modo consistente, poderá
bastar para que campos de conhecimento científico olhem a Astrologia com
interesse e venham a enriquecer um campo de ciências astrológicas desenvolvido
por fecundação cruzada e, não, apenas, por adoção acrítica do que já se declarou,
no decorrer dos séculos, sobre os significados próprios dos símbolos quando
aplicados a um específico tipo de dado da realidade, seja coisa, evento ou
pessoa.
Com tudo isto em vista estruturei minha participação na Astrológica 2019, a qual disponibilizo
aqui para quem queira ver o material apresentado: Astrologia, um campo de conhecimentos científicos.
Começando
pelo desagradável fato de que astrólogo,
nos tempos políticos bicudos em que vivemos, veio sendo termo pejorativo,
expondo de modo inequívoco o tipo de ideia preconcebida que sempre esteve
latente em parcela importante da sociedade brasileira, convidei à reflexão:
quando nós, astrólogos, nos disporemos a fazer algo que, deveras, fortaleça a
boa imagem da Astrologia, em definitivo retirando-a do nicho de “ciências
ocultas” ou de atividade própria de um “bando de místicos”?
Por
que a mídia não se refere ao economista (Eduardo Cunha), ao advogado
(Roberto Jefferson), ao veterinário
(Onyx Lorenzoni), ao beletrista
(Ernesto Araújo), ao contabilista
(Marco Feliciano), ao engenheiro
(Marcelo Odebrecht), à jornalista
(Manuela D’Ávila) ou ao profissional de educação física (Jair Bolsonaro), mas invariavelmente se refere ao astrólogo ao mencionar Olavo de Carvalho, com isso insinuando pouca
credibilidade ou até, mesmo, algum grau de insanidade mental?
Puro
preconceito! Mas também porque pouco temos feito, nós, astrólogos, para conquistar
espaço positivo para a Astrologia fora dos nossos próprios círculos.
A
partir daí, o que apresentei focou na inadiável necessidade de realização de
experimentos controlados que comprovem, além de qualquer dúvida razoável, a
veracidade factual das afirmações diagnósticas e ou prognósticas da Astrologia,
quando ela se exerce (de modo competente) pela interpretação dos seus símbolos
polissêmicos e de modo adequado a cada tipo de objeto em estudo.
Dei
como exemplar um pequenino experimento controlado objetivo que eu mesmo pude
realizar em outubro de 2018 (que pode ser visto na apresentação) e fui adiante:
1) há necessidade de
delimitar exatamente o que será mensurado, segundo o tipo de objeto de estudo
(coisa, evento, pessoa), dada a existência de diferentes especialidades
astrológicas, cada qual com seu típico objeto de estudo e seu específico
“pacote” de significados dos símbolos (Clínica, Empresarial, Médica, Mundial,
etc.);
2) há necessidade de
abrir mão, de uma vez por todas, do insustentável pressuposto da existência de energias
planetárias zodiacais causando (ou influindo sobre) o que ocorre na existência
terrestre (seja coisa, evento ou pessoa);
3) há necessidade de
restringir a mensuração às causas necessárias dos fenômenos em estudo, mesmo
que não suficientes, na medida em que não há como aferir todas as causas simultaneamente
atuantes em cada fenômeno complexo (seja coisa, evento ou pessoa), denotando ou
prognosticando sua manifestação;
4) há necessidade de
demonstrar que as afirmações da Astrologia não surgem de adivinhação e, sim, de
dedução lógica elaborada sobre relações de coincidências verificadas entre
padrões zodiacais e padrões terrestres (relações de coincidências, estas, que
são o cerne dos manuais de interpretação tidos por válidos), independente do
que atua para estabelecer e manter estáveis no tempo tais coincidências
verificadas;
5) há necessidade de
estabelecer com precisão o conjunto específico de significados dos símbolos
segundo o tipo de objeto de estudo (seja coisa, evento ou pessoa), para ganho
em precisão expressiva quando da atividade de interpretação (para diagnóstico e
ou prognóstico).
Atendidas
estas necessidades, será possível definir os melhores modos possíveis de
demarcar a Astrologia por meio de experimentos controlados conformes ao tipo de
objeto de estudo (coisa, evento ou pessoa).
Quanto
à expressão “campo de conhecimentos científicos”, na apresentação sugeri por modelo
o campo das Ciências Biológicas: tendo base em conhecimentos fundamentais como os
da Biologia, Física e Química, e em preparos complementares conformes ao tipo
de objeto em estudo (por exemplos: planta, ambiente, pessoa ou animal), as
Ciências Biológicas se expressam em Botânica, Ecologia, Medicina, Veterinária e
mais uma dezena de especializações relativas a diferentes objetos de estudo.
Assim
também, tendo base em conhecimentos fundamentais sobre Signos, Planetas, Casas Astrológicas, Aspectos e Técnicas preditivas (Trânsitos, Direções e Revoluções), e em
preparos complementares conformes ao tipo de objeto em estudo (o que orientará
o conjunto de significados dos símbolos astrológicos, na interpretação, com acepções
muito específicas para cada tipo de objeto de estudo), as Ciências Astrológicas
poderão se expressar em especializações distintas como Astrologia Clínica
(comportamento), Empresarial (negócios), Médica (corpo humano), Mundial (grupo
social), etc., compondo um campo de conhecimentos astrológicos científicos (após a demarcação).
Dei
como exemplo a Homeopatia: embora até hoje os métodos positivistas não consigam
definir o que faz a Homeopatia funcionar, já que o modelo teórico do Vitalismo
se contrapõe ao modelo teórico Biodinâmico, em 1980 a Homeopatia foi
reconhecida no Brasil como prática médica auxiliar pelo CFM – Conselho Federal
de Medicina e, em 1993, pelo CFF – Conselho Federal de Farmácia.
Reconhecimento
que só foi possível graças à realização e documentação de experimentos
controlados que comprovaram que, mesmo não se sabendo com alguma exatidão como ela
atua (a teoria explicativa), a Homeopatia efetivamente funciona como técnica de cura (a
demarcação comprobatória, por meio de experimentos de corroboração).
Nas
etapas finais do meu percurso expositivo na Astrológica 2019, citei um conceito desafiador do biólogo britânico
Rupert Sheldrake, ao referir-me aos campos morfogênicos, que integram o modelo
teórico da Astrologia Arquetípica que vim desenvolvendo:
“Uma visão de
paradigmas como campos morfogênicos nos ajuda a entender por que eles [os
paradigmas] são tão fortemente conservadores, pois, uma vez que os
paradigmas são estabelecidos, há um grande grupo social que contribui para a
realidade consensual do paradigma
[e resiste a novas ideias]. Uma ressonância mórfica muito poderosa é
desenvolvida por este modo de fazer as coisas [mantendo hábitos], e é por isso
que as mudanças de paradigma tendem a ser bastante raras e encontram forte
resistência” (itálico meu).
Com
esta menção, quis dar destaque a um dos principais desafios para a demarcação
científica da Astrologia, tanto junto a pesquisadores de variados campos de
conhecimento científico, quanto junto aos próprios astrólogos: em um lado, e também no outro, a resistência à adoção
de novos paradigmas que a possibilidade de demarcar cientificamente a
Astrologia requer, até mesmo naqueles que manifestem a intenção de ajudar a demarcá-la.
Pois
um dia o economista britânico John Maynard Keynes definiu:
“A elaboração de novas ideias depende da libertação das formas habituais de pensamento e expressão. A dificuldade não está nas novas ideias, mas em
escapar das velhas, que se ramificam por todos os cantos da nossa mente”.
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